Mal do século: Profissionais que sofrem com depressão
A depressão e outros transtornos ansiosos figuram entre as quatro causas mais frequentes de afastamento do trabalho, segundo dados de 2013 do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Só a depressão foi responsável por mais de 60 mil afastamentos. As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) não são animadoras. Na próxima década, a doença será a mais comum no mundo. Para falar sobre esse assunto, a ADPF entrevistou o doutor em Psicologia Social e pesquisador do Instituto de Sociologia da Universidade de Brasília (UNB), Wanderley Codo.
ADPF – Porque a depressão tem estado tão presente na vida das pessoas?
Wanderley Codo – A depressão é efetivamente o mal do século. Você tem algumas razões para isso, uma das razões é que a depressão está associada à perda de controle. Como as relações sociais e particularmente o trabalho tem ficado mais complexo, a instabilidade é muito grande e o sentimento de perda de controle é muito presente nos dias de hoje. Em todos os meios. Há um tempo atrás você poderia se sentir seguro quando começasse a constituir uma família, por exemplo. Hoje você não se sente mais seguro, a família também não se mantém, se inicia hoje e pode acabar amanhã cedo. Isso do ponto de vista das relações sociais, da política, das relações econômicas. Mas, particularmente, o que é a maior responsável pelo aumento brutal da depressão são as causas de trabalho e a forma como o trabalho está se estruturando no século XXI.
ADPF – De que maneira que a depressão tem afetado dentro do trabalho?
Wanderley – Você tem várias questões, a primeira é que ela é difícil de estabelecer a relação entre trabalho e depressão, por que as pessoas tendem a buscar na família as questões da relação de depressão. Então, isso é um risco grande por que você fica procurando na família e não olha para o trabalho, e aí você tem um processo de ilusão, e apagamento do processo de depressão. Então, um dos problemas de depressão do trabalho é a dificuldade de se estabelecer a relação entre o trabalho e a depressão. Normalmente você vai buscar a causa dessas questões na família, a sexualidade, etc. Até por que faz muito pouco tempo que se conhece as relações entre depressão e trabalho. E aí você cai em uma armadilha de ficar procurando onde ela não está e isso vai piorar o quadro, não só por que você não mexe no trabalho, como também você fica vítima de uma pista inútil. Essa é uma questão importante. Do ponto de vista de consequência, você tem que a depressão derruba brutalmente a produtividade do trabalhador, empresa, etc.
ADPF – E existem profissões que mais apresentam riscos e tendências à depressão?
Wanderley – Sem dúvida. Você tem estudos demonstrando, por exemplo, que policiais tem uma incidência de depressão muito alta, bancários tem um tipo de depressão muito particular e fatalmente você vai ter outras profissões que têm uma ênfase maior em depressão. E, diga-se de passagem, a depressão não é o único problema de saúde mental no trabalho. Você tem paranoia, histeria, obsessão… Rigorosamente todas as doenças mentais também estão representadas no trabalho.
ADPF – A depressão, como que ela pode ser caracterizada? Ela é um conjunto de sintomas? O que ela pode trazer de consequências para esses indivíduos se ela não for tratada, se ela não for diagnosticada de forma correta?
Wanderley – A tendência fica sendo de piora do quadro e em alguns casos pode implicar em tentativas de suicídio.
ADPF – Por que ela tem sido considerada um mal do século? O senhor acredita que essa é a tendência daqui para frente?
Wanderley – Sim, a tendência daqui para frente é que a depressão se consolide cada vez mais como a doença mais importante do século XXI. Você falou em terceira ou quarta, mas você não está levando em consideração os sintomas físicos que na verdade cobrem um problema psicológico. Por exemplo, a LER (Lesão por Esforço Repetitivo), que é uma coisa muito frequente no século XXI, ela muitas vezes tem razão psicológica e não fisiológica. Então, se você também contar que o diagnóstico é subestimado, que tem um monte de gente que tem o problema, mas que não tem o diagnóstico, você na verdade vai chegar a números maiores do que você tem nas pesquisas de hoje.
ADPF – Doutor, como é que nós podemos combater esses números, estimativas em relação à depressão? Você acha que existe alguma solução?
Wanderley – A busca é por uma mudança na organização e nas relações de trabalho de maneira a permitir que o trabalhador se sinta mais controlador do seu trabalho do que controlado por ele. Essa é uma das questões centrais. E o nível de participação e democratização das relações de trabalho cumpre um papel importante nesse sentido.
ADPF – O senhor acredita que a precarização da saúde no Brasil também afete o diagnóstico, o tratamento da depressão?
Wanderley – A saúde no Brasil sempre foi extremamente precária, muito precária. E o que está acontecendo nos últimos anos, inclusive é uma reversão desse quadro. Em algumas áreas, em alguns lugares, você está tendo um tratamento, uma ligação com a saúde menos precarizada que você tinha alguns tempos atrás. O que você tem mais hoje é a consciência das necessidades que tem na saúde e a organização social que lhe conta maneiras de lutar por melhorias em saúde.
ADPF – O senhor tem mais algo para falar em relação à depressão?
Wanderley – O problema é que nós ainda não estamos dando a devida importância para os problemas de saúde mental no trabalho. A gente dá muita importância para os problemas de saúde física e menos para saúde mental. E isso impacta devido ao fato de que a gente ignora quais são os mecanismos de ação da saúde mental com relação ao trabalho. Mas uma coisa é certa, o século XXI é o século do problema de saúde mental no trabalho. Então, na indústria clássica, na indústria que nasceu com Ford em 1900 e ocupou todo o século XX, era a saúde física que importava, era as fraturas do braço, o corte na mão. Esse tempo passou e hoje o problema que nós temos na saúde é de saúde mental. O trabalhador ele desgasta o que ele usa. Antes ele usava o braço, agora ele usa a cabeça. Portanto, é na saúde mental que a gente deve se preocupar quando a gente pensa em saúde no trabalho no Brasil e no resto do mundo.
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