Milhares de olhos para vigiar a Copa

23 de maio de 2014 11:45

O cronômetro não para. Faltam 30 dias, 10 horas, 30 minutos, 45 segundos… Faltam 30 dias, 10 horas, 30 minutos, 44 segundos para começar o jogo de abertura da Copa do Mundo, na arena Corinthians, em São Paulo. Ao lado do cronômetro, 56 monitores de TV, distribuídos por uma parede no Centro Integrado de Controle e Comando Nacional (CICCN), exibem a rotina das cidades. Pedestres apressados, ruas e avenidas com os congestionamentos de sempre são captados sem cessar por câmeras de monitoramento imperceptíveis, espalhadas por pontos estratégicos. As imagens de tranquilidade, ainda que acrescidas das grandes concentrações de pessoas, das confusões e rixas habituais em eventos dessa natureza, são o cenário dos sonhos do delegado da Polícia Federal Andrei Augusto Passos Rodrigues, secretário extraordinário de Segurança para os Grandes Eventos.

 

Em contrapartida, seu pior pesadelo está coberto pela névoa da fumaça do gás lacrimogêneo, imagens como as da quinta-feira da semana passada, em que protestos de todo tipo contra os gastos da Copa, por aumento salarial, por moradia, saúde ou o que seja, impressionaram não pelo tamanho da adesão, mas pela violência. E, mais uma vez, atos de vandalismo, quebra-quebra, ônibus incendiados e violentos confrontos entre manifestantes e policiais se sucederam, atemorizando e piorando o humor dos brasileiros e assustando estrangeiros que pretendem vir ao país. "Ninguém será privado do direito democrático de se manifestar. O protesto pacífico é uma coisa. Outra coisa são vândalos e bandidos que utilizam o momento para cometer crimes. Não vamos tolerar a violência, seja ela em que contexto for. Vamos dar resposta. A polícia vai reagir à altura", disse Rodrigues ao Valor.

 

O CICCN, considerado cérebro e coração da segurança na Copa, está montado em 945 m2, na Asa Sul, em Brasília. A área de operações tem 438 m2 e é ali que ficam as posições com computadores e o "video-wall", para uso de representantes das Forças Armadas, bombeiros, Anvisa, Receita Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, empresas de energia elétrica, de limpeza urbana. Embora seja impossível acreditar na hipótese de que haverá controle absoluto de tudo durante o período da Copa, as autoridades querem ter agilidade suficiente para diminuir os estragos que possam resultar de confrontos nas ruas ou nos estádios. Estruturas semelhantes à do CICCN, em menor dimensão, foram montadas nas 12 cidades-sede, inclusive Brasília.

 

Orçamento de quase R$ 2 bilhões supera em muito o que foi gasto em segurança durante a Copa do Mundo realizada na África do Sul

 

Até se definir esse modelo, mescla de descentralização e integração, que será aplicado na Copa, muita água rolou. Os Estados têm suas Polícias Militares e Civis. E há a Polícia Federal, que atua em todo o território brasileiro, mais as Forças Armadas, responsáveis pela defesa nacional e que, em situações específicas, previstas na Constituição, podem assumir poderes policiais. Como reunir e integrar forças tão diferentes? De que maneira estabelecer a hierarquia entre elas? Chegou-se, então, ao formato que, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, dividiu o trabalho em três áreas: segurança, sob o comando do Ministério da Justiça; defesa, que reúne os militares do Exército, Marinha e Aeronáutica; e inteligência, mantida na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Traçada a forma, foi preciso conciliar ânimos e opiniões sobre o quê, como e quando fazer. "A pedra de toque era integrar todas as forças, e esse é o grande legado imaterial que a Copa deixará", afirmou Rodrigues.

 

Das três áreas, duas tinham comandos de designação óbvia. A defesa ficou com general José Carlos De Nardi, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. A Abin foi mantida com o general José Elito Siqueira, chefe do gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. O Ministério da Justiça deveria designar alguém responsável pela segurança. Depois de algumas tentativas, que terminaram em disputas de poder, chegou-se ao nome do delegado Rodrigues.

 

Gaúcho, nascido e criado no município de Pelotas, Rodrigues tem 44 anos. É reconhecido pela capacidade operacional e por sua obsessão com o trabalho. Entrou na PF em 2002. Foi chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, em Manaus, e da Delegacia de Crimes Fazendários, em Porto Alegre. Estava em Madri quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu que aceitasse a missão. Não seria a primeira vez que Rodrigues testaria a si mesmo em situações, digamos, arriscadas. Em 2010, montou uma das equipes que fizeram a segurança dos candidatos à Presidência. Sem saber se protegeria o tucano José Serra ou a ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, reuniu 16 colegas para começar o trabalho, que, seis meses depois, contaria com 80 agentes no dia da posse da petista. "Desde a campanha, sempre se soube do perfil exigente da então candidata", disse.

 

Seria uma convivência produtiva, talvez facilitada, em alguma medida, pela comunhão geográfica casual. Dilma, nascida mineira e tida como "uma gaúcha de faca na bota" – expressão comum nos pampas – entendeu-se com o delegado de temperamento tranquilo e fala suave. Ele foi o "sombra" – jargão da segurança usado para referir-se ao agente mais próximo à autoridade que deve proteger – dela até o momento em que a presidente recém-empossada subiu a rampa do Palácio do Planalto. "Tivemos uma relação de muito respeito e a disciplina dela nos ajudou muito", comentou Rodrigues.

 

O aparato que o secretário controlará durante a realização da Copa tem orçamento de R$ 1,17 bilhão e mobilizará aproximadamente cem mil profissionais, atuando nas 12 cidades-sede e outras três com centros de treinamento de equipes. Até o começo do mês, 99% desse montante já haviam sido executados, estavam empenhados ou próximo disso. O investimento de agora servirá também para a Olimpíada do Rio, em 2016. Mesmo assim, pode ser considerado alto. Em 2010, na África do Sul, um país com altos índices de criminalidade, foi investido o equivalente a cerca de R$ 400 milhões na estrutura de segurança criada para o período do campeonato mundial.

 

No Brasil, a maior fatia dos recursos foi aplicada em equipamentos. As grandes estrelas são os centros de controle, projetados com uma capacidade de armazenar até 240 TB (terabytes) – a Biblioteca do Congresso americano ocupa 15 TB. As polícias receberam novos equipamentos de proteção e para conter manifestações, robôs antibombas, munição não letal. Haverá delegacias móveis. E a chamada plataforma de observação elevada, com câmeras de alta precisão instaladas em helicópteros, por exemplo, que transmitirão imagens em infravermelho, à noite. "Nenhum centavo investido em segurança pública é desnecessário. Treinamos mais de 11 mil policiais. Temos certeza de que a segurança da população será melhor depois da Copa", afirma Rodrigues.

 

No orçamento da defesa estão outros R$ 700 milhões. No comando desses recursos e de mais 50 mil homens, outro gaucho, o general José Carlos De Nardi, nascido e criado em Farroupilha, berço da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Os militares vão vigiar fronteiras terrestres e marítimas, além do espaço aéreo. Nesta semana, dois mil militares partiram do Sul para atuar no Complexo da Maré, no Rio. Substituirão a brigada paraquedista que está em uma das regiões mais violentas e perigosas da cidade onde ocorrerá a final da Copa, no Maracanã.

 

Na proteção do espaço aéreo, o governo pretende estender a alguns estádios a aplicação da Lei do Abate, usual no combate ao narcotráfico, nas fronteiras. "Essa mudança na lei atende à necessidade de garantir a máxima segurança possível. Não significa que vamos sair atirando", disse De Nardi.

 

De Nardi, torcedor fanático do Internacional, em cujo estádio, o Beira-Rio, serão disputadas algumas partidas, assim como Rodrigues, não escondem uma certa preocupação com o "clima" nacional. Contudo, garante sentir-se mais tranquilo em relação a outros riscos eventuais -, por exemplo, um ataque terrorista. "Na análise da inteligência, esse é um risco muito baixo. Mas nunca podemos descartar a ação de alguém que, por sua conta e risco, resolva promover um atentado", disse o general. Ataques desse tipo, exemplificados pelo atentado na maratona de Boston, em 2013, são difíceis de prever.

 

Rodrigues só deixa o chimarrão quando não há mais nenhum segundo para a entrevista prosseguir. Reuniões e encontros se acumulam na agenda. Só há tempo para perguntar se ele não sente medo. "Claro que sim. Quem não tem medo não tem juízo. O medo faz parte da natureza humana. A gente tem é que saber enfrentar e superar esse medo."