MP acusa CCE e Sundown de operação ilícita

19 de outubro de 2007 08:30

Isidoro e Rolando Rozenblum, pai e filho que a Polícia Federal e a Procuradoria da República apontam como os cabeças de centenas de negócios irregulares revelados na Operação Pôr-do-sol, em julho do ano passado, estão foragidos há três meses. Eles fugiram do Hospital Santa Cruz, em Curitiba, onde faziam tratamento de saúde e eram mantidos sob vigilância da Polícia Militar do Paraná. Os dois hoje vivem no Uruguai e chegaram a ser detidos pela Interpol, mas foram liberados e, embora exista pedido de extradição, por enquanto estão a salvo de novas ordens de prisão por serem uruguaios.

O processo que trata do terreno, ao qual o Valor teve acesso, corre na 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba e, ao contrário de outros que envolvem a família uruguaia, não está sob segredo de Justiça. Nele a Serb pede a liberação do imóvel. A empresa “que tem como sócios Susan, Eduardo, Roberto e Beatriz, filhos do empresário Isaac Sverner, fundador da CCE” alega que comprou o terreno da Replecta (representada por Jerry Sasson, cunhado de Isidoro), em dezembro de 2004, por R$ 13,866 milhões. É aí que começam as coincidências, que procuradores que integram a força-tarefa CC5 do Ministério Público não consideram fortuitas.

A operação seria formalizada com o pagamento de uma parcela de R$ 11,866 milhões, mais R$ 2 milhões divididos em dez parcelas. Simultaneamente, o grupo Sundown fazia outro negócio com a CCE: a aquisição da participação da empresa na Companhia Brasileira de Bicicletas (CBB), empresa na qual eram sócios e que em 2005 mudou de nome para tornar-se a Brasil & Movimento. Valor da transação: R$ 11,670 milhões. Ambos os negócios foram fechados no mesmo dia “a ponto de os valores aparecerem um abaixo do outro em um extrato bancário anexado na ação”. Em interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, que fazem parte do processo, a diferença é explicada pela variação cambial.

“…pôde-se verificar que o imóvel que é objeto desta ação foi transferido à embargante [a Serb] através de um negócio jurídico simulado feito entre, de um lado, Isaac Sverner, controlador das empresas CCE e Serb e, de outro lado, Isidoro e Rolando Rozenblum, controladores do grupo Sundown, de que fazem parte as empresas SWN e Replecta”, diz um trecho do processo. Na operação Pôr-do-sol foi apreendida pasta de arquivo com dados da transação e o Ministério Público apresenta trechos de conversas que tratam da transferência de valores. No processo, o Ministério Público aponta a Replecta como uma empresa criada para proteger de possíveis arrestos o patrimônio de Isidoro Rozenblum, que desde 1997 responde a processos por importações irregulares de peças para bicicletas.

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Isidoro e Rolando Rozenblum, suspeitos de centenas de negócios irregulares, estão foragidos há três meses
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Na operação, a CCE transferiu as ações da CBB para a SWN, atual controladora da Brasil & Movimento, que a pagou com recursos vindos do Uruguai da empresa Rostany, de Jaime Rozenblum, hoje principal acionista da fabricante das motos e bicicletas Sundown. Daí a Serb usou o dinheiro que recebeu para comprar o terreno da Replecta, e o dinheiro que veio do exterior retornou para as mãos dos uruguaios. O Ministério Público traçou o caminho do dinheiro da seguinte forma: ele entrou no Brasil aportando na conta da SWN, que o transferiu para a CCE, que o repassou à Serb, que o usou pra pagar a Replecta.

O Ministério Público quer garantir que o imóvel fique bloqueado para assegurar o pagamento de dívidas e multas do grupo Sundown com o fisco. “Acontece que o valor do dano causado é multimilionário, e (…) as penas de multa poderão chegar a valores astronômicos, tendo em vista que foram praticados centenas de crimes que já acarretaram o oferecimento de três denúncias, estando outras em fase de preparação”, diz o órgão, que estima débitos de R$ 426 milhões. Na ação, a defesa da Serb diz que a CCE agiu como um terceiro de boa fé e que, quando adquiriu o terreno, não havia obstáculo legal à operação.

A história da instalação da CCE no Paraná começou de modo curioso. Em junho, a agência de notícias que divulga as ações do governador Roberto Requião (PMDB) antecipou-se ao anúncio da empresa e divulgou que ela iria investir R$ 7,125 milhões para montar computadores na Lapa, município localizado a 60 quilômetros de Curitiba. A unidade seria inaugurada em seis meses e funcionaria em barracão alugado de oito mil metros quadrados. Alguns dias depois a empresa informou à prefeitura da Lapa que havia mudado de idéia e iria ocupar imóvel próprio em São José dos Pinhais, próximo à capital. “Ligamos para eles fazendo propostas, dizendo que pagaríamos o aluguel, mas não adiantou”, contou o vice-prefeito da Lapa, Mansur de Jesus Daou (DEM).

A alteração de planos foi recebida com surpresa em São José dos Pinhais. “Ouvimos falar que ela vem para cá e vai ocupar a antiga fábrica da Sundown”, disse um funcionário da secretaria municipal de Indústria e Comércio. Mas as conversas para a atração da empresa foram feitas por meio da secretaria estadual da Indústria e Comércio, que confirmou, por meio da assessoria de imprensa, que a troca de local foi motivada pela possibilidade de ocupar imóvel próprio.

Por diversas vezes o Valor tentou falar com a direção da CCE, que negou-se a comentar tanto a instalação no Paraná como as negociações com a família Rozenblum. Um dos advogados dos uruguaios, Daniel Müller Martins, informou que a defesa para os processos que correm contra a família por crimes como formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e evasão de divisas, entre outros, está sendo apresentada em juízo. O advogado da Serb, Fabio Juliani Soares de Melo, critica o Ministério Público e disse que não existe a ligação entre os Sverner e os Rozenblum citada na ação. “O bloqueio atrapalhou a venda do imóvel”, reclama o advogado.