Na pressão do Entorno

1 de outubro de 2007 11:42

A ação do bandido que mata, trafica, assalta e estupra nas cidades do Entorno também tem conseqüências no Distrito Federal. Relatório de análise criminal da Divisão de Estatística e Planejamento Operacional (Depo), da Polícia Civil do DF, denuncia que as pressões sociais exercidas pela região não estão limitadas às áreas de educação e saúde da capital do país. A segurança pública brasiliense também se vê obrigada a oferecer a própria estrutura para receber bandidos e atender vítimas que moram nesses municípios.

O levantamento da polícia de Brasília revela que a deficiência de delegacias e presídios na região faz com que parte da população local recorra à polícia da capital. Das 19 localidades do Entorno, onde há 1,2 milhão de habitantes, apenas seis contam com delegacias. As demais tentam suprir a ausência com unidades do Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) os prédios abrigam policiais civis e militares e bombeiros ou subdelegacias. A comparação com o vizinho ainda escancara a precariedade: o DF tem 30 delegacias para 2,3 milhões de pessoas de 19 cidades.

O documento atesta que a falta de organismos policiais qualificados no Entorno provoca superlotação das cadeias públicas locais e acúmulo de ocorrências nas delegacias brasilienses. A Polícia Civil do DF investigou 1.192 crimes denunciados por vítimas do Entorno no primeiro semestre do ano passado. No mesmo período de 2007 foram 1,4 mil crimes registrados, um aumento de 17,45%. Os moradores de Valparaíso, Águas Lindas, Luziânia, Novo Gama e Formosa lideram as estatísticas dos que mais recorrem à polícia brasiliense.

Servidores
A procura se explica até pela quantidade de investigadores nas unidades do Entorno. Faltam servidores. São 300 policiais civis para toda a região, o que dá uma média de 12 homens por unidade para investigar os mais diversos crimes. A Delegacia Regional de Luziânia, responsável por uma das maiores cidades da área, tem dois agentes na seção de homicídios. O mesmo ocorre no Ciops da Cidade Ocidental, onde o jornalista do Estado de Minas Amaury Ribeiro Jr. levou um tiro durante apuração de série de reportagens sobre o tráfico de drogas nos arredores do DF.

A Secretaria de Segurança Pública de Goiás fará, no próximo mês, um concurso para preencher 612 vagas de delegados, escrivães e agentes da Polícia Civil. Mas o presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Goiás (Sinpol-GO), Silveira Alves de Moura, teme que poucos aprovados sejam mandados para o Entorno. Há 2,6 mil vagas em aberto e 350 pedidos de aposentadoria na região. Acredito que só entre 50 a 80 agentes do total de aprovados devem mesmo vir para cá. Não vai mudar em quase nada a péssima situação da área , afirmou.

Presídios
O uso da estrutura de Brasília também se repete na população carcerária do DF. As seis unidades prisionais da capital abrigavam 7.645 detentos em 21 de setembro de 2007, segundo a Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe). Do total, 735 (9,6%) presos são moradores de Goiás e Minas Gerais. A maioria deles 174 cumpre pena no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), um dos cárceres do Complexo Penitenciário da Papuda. Também há 57 mulheres goianas e mineiras na Penitenciária Feminina do DF (Colmeia).

No Entorno, o tamanho da população carcerária abarrota as unidades prisionais de seis cidades da região sul Novo Gama, Luziânia, Valparaíso, Santo Antônio do Descoberto, Cidade Ocidental e Águas Lindas. Há estrutura para 377 detentos, mas 851 cumprem pena. A superlotação ocorre em razão de um excedente de 125,7%, segundo a Secretaria de Justiça de Goiás. Estima-se que seja necessária a abertura de pelo menos mais 3 mil vagas.

A conclusão do relatório da Depo resume a carência dos moradores da região e a dificuldade estrutural do Estado. As condições de vida nesses municípios costumam ser precárias, com grande falta de recursos e equipamentos públicos. E o DF sofre pressão constante dessa população , escreveu o diretor da Depo, Ronaldo Almeida da Silva. O documento servirá para acelerar acordos de cooperação entre os governos de Goiás e do DF. Entre 2005 e janeiro de 2007, as polícias brasiliense e goiana realizaram 19 operações especiais e prenderam 132 pessoas na região.

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Depoimento nesta semana

A Polícia Civil de Goiás deve convocar esta semana o jornalista do Estado de Minas Amaury Ribeiro Jr. para prestar depoimento sobre o ataque que sofreu no último dia 19 na Cidade Ocidental. Os investigadores goianos, que prenderam quatro suspeitos do crime na semana passada, afirmam que foi uma tentativa frustrada de assalto. O repórter Amaury Ribeiro Jr. levou um tiro na virilha em um bar da Cidade Ocidental onde tinha ficado de encontrar com uma fonte, que não compareceu. O jornalista vinha fazendo uma série de reportagens para o Correio que mostraram a ligação de traficantes com a execução de menores, além do estado de abandono do Entorno. A Polícia Federal trabalha com a hipótese de atentado, devido à natureza das matérias de Amaury e ao modo como o criminoso o abordou, que não condiz com as atitudes de um assaltante.

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Descaso é o mal maior

As pressões sociais do Entorno sobre a capital são comprovadas por dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Cálculos realizados sobre a vida de 1,2 milhão de habitantes de 19 municípios 14 de Goiás e cinco de Minas Gerais revelam os gastos de Brasília com a região. Só a Saúde investe R$ 1,5 bilhão com pacientes que moram nos arredores. O reflexo também ocorre na Educação. Mais de 8 mil crianças da área estudam no DF, o equivalente a oito escolas públicas lotadas. O DF também emprega 140 mil pessoas do Entorno.

O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, general Cândido Vargas de Freire, reconhece a importância das cercanias para Brasília, principalmente em relação à mão-de-obra. Mas responsabiliza o descaso diante da região pelos atuais índices de criminalidade registrados no DF. Há um déficit social em toda a região. Esse déficit vem exercendo uma pressão social incômoda no DF, em particular em Brasília. Há necessidade de recompletamento de efetivo das polícias civil e militar do três entes federados , afirmou. O secretário defende investimentos maciços para suprir as necessidades básicas da área classificada por ele de macrorregião .

O sociólogo Arthur Trindade, do Núcleo de Estudo sobre Violência e Segurança (Nevis) da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o acúmulo de problemas sociais faz com que o Entorno tenha características das regiões mais periféricas do país, justamente aquelas esquecidas pelo poder público. A área é uma das sete mais violentas do Brasil, com índices altíssimos de homicídios. As taxas por grupos de 100 mil habitantes são mais altas do que no Rio de Janeiro, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública carioca , afirmou.

O especialista chama a atenção para os motivos dos assassinatos cometidos nos municípios vizinhos à capital. Alguns ocorrem por causa de motivos banais, como brigas de vizinhos ou ciúmes. Mas a maioria deles está mesmo ligada ao tráfico de drogas, uma das razões para a escalada da violência. Trindade também prega investimento em segurança pública e a ajuda da Força Nacional para melhorar a situação da região. Se falta policiamento, a Força Nacional auxilia. Mas é preciso que esse trabalho tenha continuação, pois é provisório , afirmou.

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Colaborou Mário Coelho

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Raio X

São apenas 6 delegacias no Entorno, para 1,2 milhão de habitantes
Ao todo, existem 300 policiais civis para toda a região
A Polícia Civil do DF investigou 1.192 crimes denunciados por vítimas do Entorno no 1º semestre do ano passado
No mesmo período de 2007 foram atendidas 1,4 mil ocorrências
Um aumento de 17,45%