Nova Lei da Lavagem de Dinheiro erra no foco
Ao admitir qualquer outro delito penal como antecedente, a nova Lei da Lavagem de Dinheiro (12.693/2012), sancionada em julho, surge com a proposta de tornar mais eficiente a persecução deste tipo de crime. Mas, ao contrário do que ambiciona a nova lei, a ampliação tem a capacidade de gerar um efeito reverso, de acordo com especialistas. Teme-se que ao seguir uma tendência mundial em abrir o leque de delitos antecedentes, a consequência se reverta em mais morosidade por conta do aumento do número de processos, e talvez até uma mudança de foco. Em vez do crime organizado, os peixes pequenos estarão no alvo.
Antes de a lei ser sancionada, o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), uma organização internacional de combate à lavagem de dinheiro, havia criticado o Brasil em uma avaliação na qual indicava a necessidade de melhorias, como, por exemplo, a inclusão do crime fiscal como antecedente da lavagem de dinheiro. Pois bem. Com qualquer crime ou contravenção passando a ser antecedente, de acordo com a nova lei, esta é uma questão resolvida.
O Delegado da Polícia Federal, no Paraná, Marcio Anselmo considera que a nova lei deve ser mais eficaz do que a antiga. Ele destaca que o Brasil precisava se adequar às metas do Gafi no combate à lavagem de dinheiro a fim de evitar graves consequências econômicas.
O advogado e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini defende, porém, que a abertura da Lei 12.693/2012 foi exagerada. “Boa parte das legislações de outros países consideram lavagem dinheiro proveniente de crimes graves apenas. Nós abandonamos os critérios e deixamos como antecedente qualquer crime e qualquer contravenção penal.” Com a nova lei, Bottini explica, há a possibilidade de que uma pessoa que cometa a contravenção de vender uma rifa e tente esconder o dinheiro, por exemplo, seja punida pelo crime de lavagem de dinheiro.
Desta maneira, um indivíduo poderá responder por um crime que tem a pena menor que o da lavagem de dinheiro – que é de, no mínimo, três anos – e ser condenado também pela lavagem. Isto geraria, na opinião de Bottini, “uma distorção”, na qual quem cometeu um crime não tão grave passará a ter uma pena maior.
Outra consequência da Lei 12.693/2012 é o aumento do número de processos. Agora, pode-se discutir se houve lavagem de dinheiro com qualquer delito no qual tenha havido alguma transação com dinheiro, como roubo, furto ou jogo do bicho. E, com isso, alguns juristas apostam que os processos se tornarão mais lentos e terão mais probabilidade até mesmo de prescrever, caso a Justiça não dê conta de mais esta demanda.
Com a ampliação do leque, ainda, ao invés de estarem focadas na punição dos grandes agentes do crime organizado, teme-se que as investigações de lavagem de dinheiro se voltem para os pequenos criminosos. O juiz federal Sérgio Moro rebate dizendo que o problema não é a abrangência da lei. Segundo ele, o foco sobre quem será punido é uma questão cultural que ocorre com diversos outros crimes e não é um problema criado pela nova norma.
Mudanças necessárias
Apesar de considerar relevante a alteração na lei, Moro ressalta que a principal mudança necessária na legislação, no que se refere à lavagem de dinheiro, seriam inovações no Código de Processo Penal, pois atualmente os processos são muito longos. “Quanto mais complexo o processo, mais difícil de tratar e mais demorado”, observa.
Profissionais liberais temem ameaça a sigilo
A exigência prevista na Lei da Lavagem de Dinheiro de que advogados e outros profissionais liberais tenham de prestar informações de todos os atos ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) está gerando polêmica. A Lei 12.693/2012 pode entrar em conflito com outra lei, o Estatuto da OAB, que prevê que o advogado deve manter sigilo sobre tudo que ele saiba em função da profissão.
A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) ajuizou, no dia 23 de agosto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.841, por considerar que a nova lei viola o direito ao sigilo profissional. A ação tem como relator o ministro Celso de Mello. A OAB ainda está analisando se tomará alguma providência.
O advogado e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini considera que os profissionais liberais não têm obrigação de investigar se o dinheiro que recebem é de origem lícita ou não. Ele explica que o crime de lavagem de dinheiro consiste no ato de receber e esconder. “Se o profissional recebe, dá uma nota e paga imposto sobre isso, ele não está escondendo nada. É diferente do profissional que recebe algum dinheiro, simula o negócio e devolve para a pessoa.”
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, explica que a Ordem entende que o advogado não é obrigado a passar informações de seus clientes. “Seria um contrassenso o defensor ter de se tornar um detrator. O advogado não pode se tornar o denunciante do seu cliente”, diz. Além disso, ele diz considerar que o entendimento de que o advogado tenha de passar informação sobre o cliente vai contra o direito constitucional do acesso à justiça, com amplo direito à defesa.