Novos Delegados Federais: desafios e experiências

28 de julho de 2017 15:16

Em meados de junho de 2014, mais de 600 alunos se formaram na Academia Nacional de Polícia. Destes, cerca de 140 eram Delegados e Delegadas Federais.

 

Desde o último concurso público realizado pelo Departamento de Polícia Federal a vida não tem sido fácil para Jacob Guilherme da Silveira Farias. Formado em 2014, ele conta o que o motivou a optar pela profissão. “Acredito que a corrupção e os excessos de privilégios são a raiz do subdesenvolvimento brasileiro. Por causa disso escolhi ser Delegado Federal, pois é o cargo que tem mais chance de fazer a diferença no país”.

 

Causa semelhante justificada por Duílio Mocelin Cardoso, ingressante na turma do mesmo ano. “Quando um brasileiro observa os resultados produzidos pela Polícia Federal, sente a necessidade de pertencer ao órgão e de se colocar também como um dos responsáveis pelo trabalho. Graças a esse sentimento, são atraídos todos os anos pessoas com alta capacidade intelectual e com elevado padrão ético para integrar nossos quadros funcionais”, explica.

 

Primeiras experiências como Delegado Federal

 

Farias conta que recebeu altas cargas de trabalho nos primeiros meses como Delegado Federal. A falta de experiência inicial trouxe uma responsabilidade ainda maior na hora de lidar com os “imprevistos” da profissão.

 

“Logo no segundo mês de trabalho, conseguimos realizar uma pequena operação que prendeu o advogado Presidente da Caixa de Assistência da OAB por fraudes e desvios de quase R$ 700 mil. A investigação ficou tão bem feita que ele ficou preso por 54 dias e foi rapidamente condenado, sendo obrigado a devolver o dinheiro”, conta Farias.

 

Cardoso compartilha em detalhes alguns afazeres das rotinas de um Delegado Federal. “As investigações envolvem análise de dados bancários e fiscais, interceptações telefônicas e outras técnicas especiais de investigação, exigindo elevada dedicação e comprometimento de todos os policiais envolvidos. As deflagrações de operações, com o cumprimento de mandados de prisão e de busca, guardam sempre bons aprendizados, exigindo trabalho harmônico em equipe e grande profissionalismo dos participantes”, conta.

 

Ele ainda participou ativamente das investigações da Operação Lava Jato no ano de 2016, uma das operações de maior repercussão nos últimos tempos. “Foi uma oportunidade ímpar para aprender a conduzir investigações complexas e de maior sensibilidade com os Delegados de Polícia mais experientes e atuantes na área de Repressão aos Crimes contra o Sistema Financeira, Corrupção e Desvio de Recursos Públicos, como, por exemplo, Drª Erika Mialik Marena e o Dr. Eduardo Mauat da Silva”, relata o Delegado.

 

Falta de autonomia

Farias e Cardoso são enfáticos quanto à autonomia dentro da corporação. O assunto tem virado debate interno e externo, principalmente com a PEC 412/2009, que estabelece autonomia administrativa, orçamentária e funcional para a PF. “Não tenho dúvida que falta autonomia. A grande maioria das medidas administrativas depende de instâncias superiores, e a maioria das medidas investigativas depende de parecer do MP e aval do Juiz. Muitas vezes sinto que a Lei retirou quase todo o poder investigativo da polícia e que o Ministério Público (órgão que tem mais autonomia) está tentando competir com a polícia e fazer as vezes de órgão investigador. Isso é um perigo”, diz Farias.

 

Antes de tudo: preparação

 

Para chegar onde estão, os Delegados Federais percorreram um caminho árduo e de muitos sacrifícios.

A preparação para o concurso público começa, para muitos, antes mesmo do edital oficial ser publicado. Farias é um dos exemplos. Ele se concentrou nos estudos e aproveitou para prestar outros concursos similares. “Desde que eu me formei em Direito, eu almejava ser Delegado Federal. O concurso, porém, demorou muito para sair. Enquanto o edital não era publicado, fiz outros concursos e fui nomeado em vários cargos. Eu estava trabalhando como analista judiciário quando saiu o concurso para escrivão de Polícia Federal”.

 

Dicas e macetes também são bem-vindos para quem está interessado na área. Farias ensina o que fez na época. “A dica principal para o concurso de Delegado Federal é ler Informativos de Jurisprudência do STF e STJ e fazer questões. Muitas questões. Eu comecei a criar o hábito de fazer pelo menos 100 questões por dia em sites de preparação para concurso. Com o tempo, você percebe que as questões dos concursos se repetem. Já os informativos de jurisprudência foram úteis na fase discursiva e na prova oral”.

 

Cardoso relembrou um ponto importante nas avaliações: o teste físico. “É preciso ter disciplina nos estudos para as fases objetiva, discursiva e oral, além do treinamento para os testes físicos”, pontuou.

 

ANP

Outro marco para os Delegados é a passagem pela Academia Nacional de Polícia. Em um regime de internato que dura em média quatro meses, os aspirantes pela carreira aprendem na teoria e prática o que precisarão utilizar no dia a dia da profissão. Mas não pense que este período é calmo e sem cobranças. “A academia de polícia não é uma experiência agradável. Senti que a internação foi feita para estressar o candidato e fazê-lo desistir. O nível de cobrança e de competição lá dentro é altíssimo. A comida é ruim e o fantasma da eliminação assombra todos constantemente”, conta Farias.

 

Para Cardoso, a experiência foi boa. “A academia deixa como legado uma vasta bagagem intelectual, boas recordações e lições de companheirismo que certamente nos acompanharão por toda a vida profissional na Polícia Federal”, comenta.

 

Apesar do ar “justiceiro” que a profissão passa para quem está de fora, a realidade dentro do Departamento é bem diferente, como conta Farias. “Os policiais federais não são ‘super tiras’ ou oniscientes. Somos humanos e dependemos da ajuda da sociedade para conseguir combater o crime. A polícia vive de informações. Sem informações, não conseguimos desvendar os casos. O efetivo é pequeno e falta recurso em todos os setores”.

 

São poucos anos para contar as experiências vividas, mas a cada degrau vencido, eles sabem que há um prêmio muito maior a ser recebido: o reconhecimento, principalmente, por parte da sociedade.

 

Mensagem aos futuros Delegados e Delegadas

Farias: “Não tenham ilusões de que o cargo de Delegado é como um investigador dos filmes. O trabalho é altamente burocrático e 95% do tempo é sentado em uma mesa analisando documentos, despachando e realizando oitivas. Entretanto, com um pouco de empenho, o Delegado pode se tornar o cargo que possui maiores condições de trazer os criminosos perante a Justiça”.

 

 

Cardoso: “Todo o esforço e sacrifício na fase de preparação para o concurso será recompensado com a aprovação e o desempenho das funções. O trabalho é gratificante, desafiador e envolvente. A Polícia Federal é o órgão ideal para quem quer fazer a diferença para as próximas gerações, construindo um país mais justo e com valores éticos mais sólidos.