O Critério da Proporcionalidade e a Impossibilidade de Investigação Criminal Isolada Pelo MP

18 de abril de 2013 17:52

 
Inicialmente, cumpre-nos registrar os constantes equívocos, em nossa avaliação, de alguns doutrinadores e juristas com relação à utilização do termo “proporcionalidade” como atinente ao modo de solucionar aparentes choques de princípios em situações concretas. Quando é mencionado, vulgarmente, o termo “proporcionalidade”, o que se quer, em verdade, é ponderar interesses para saber qual princípio deve ter “prevalência” em um dado caso concreto, preservando-se o núcleo essencial do princípio mitigado, eis que inexiste sacrifício de regra de tamanho grau. O que se faz, nos casos mencionados, é aplicar a “ponderação de interesses” para solucionar o conflito que, como dito, é apenas aparente. O critério da proporcionalidade é, essencialmente, um método de avaliação de constitucionalidade de normas jurídicas. Talvez, a tentativa de igualar “ponderação de interesses” e “proporcionalidade” tenha como origem a “proporcionalidade em sentido estrito”, este como terceiro vetor de análise da teoria da proporcionalidade, conforme trataremos adiante. Mas, conforme já mencionado, insistimos que a diferença nodal entre os mencionados princípios reside em seus âmbitos de aplicação, quais sejam: um deve ser invocado para solucionar aparentes conflitos em caso concreto e outro quando da análise, em tese, de normas jurídicas quanto à constitucionalidade. Canotilho afirma que o princípio da proporcionalidade representa a proibição do excesso, na medida em que veta a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.

 Feita a digressão, passaremos à análise do tema proposto, qual seja, o da impossibilidade de investigação criminal autônoma e isolada pelo Ministério Público, à luz do princípio da proporcionalidade em sua real acepção, que é a de instrumento de análise de constitucionalidade de leis e atos normativos.
 
 Triparte-se o princípio da proporcionalidade em vetores: a adequação ou pertinência, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. A análise das respostas aos vetores dará a resposta sobre a constitucionalidade de determinada regra jurídica.
 
 Através da adequação ou pertinência, procura-se avaliar se a medida legislativa é apta a atingir o fim a que se destina. Sintetizando, um meio adequado é aquele que realiza o fim ao qual se destina.
 
 Necessidade é referente à imprescindibilidade de se lançar mão de uma medida para atingir o objetivo almejado. Um meio não será necessário se existir outro mecanismo adequado e menos oneroso, que menos cause restrições a direitos fundamentais.
 
 Proporcionalidade em sentido estrito é a análise sobre a medida que deve contemplar, de maneira mais ampla possível, o conjunto de interesses em jogo. É a sintonia que demonstrará a justeza da solução obtida ou a necessidade de nova análise. Proporcional é a medida que na análise de desvantagens e vantagens, estas superem àquelas.
 
 Feitas, em apertadíssima síntese, as considerações sobre o princípio da proporcionalidade, passemos a utilizá-lo como método para avaliar a possibilidade de investigação criminal isolada pelo Ministério Público. 
 
 Com relação ao vetor adequação ou pertinência, faço os seguintes questionamentos: É meio adequado para atribuir demasiado poder ao MP norma de natureza infra constitucional (leis, decretos, resoluções, portarias, instruções normativas ou o que mais o valha), sendo que a constituição não o fez e, ao contrário, proibiu de modo explícito ao determinar em seu art. 144 que o poder de investigação criminal é exclusivo das polícias judiciárias? Louvável, democrático e jurídico seria que, ao menos, os defensores dessa ideia tentassem viabilizar suas pretensões pela via legislativa e, apenas, através da espécie emenda constitucional, sendo que, ainda assim, seria de duvidosa constitucionalidade. Permitir ao Ministério Público comandar investigações criminais isoladamente, sem a participação das Polícias Judiciárias e sem controle, trará mais lisura às investigações ou possibilitará excessiva concentração de poderes, em prejuízo a direitos individuais e à contenção de abusos e excessos, sendo que não haverá controle de que quem quer que seja, pois que único partícipe da investigação? Não é mais transparente e proveitoso que se lance luz ao procedimento de investigação, permitindo que as Polícias Judiciárias investiguem com o acompanhamento do parquet, eis que seriam expandidas as análises sobre os fatos devido a existência de mais partícipes da investigação? Evidente que a possibilidade de investigação autônoma e isolada pelo Ministério Público não pode prosperar, sob pena de se estabelecerem poderes ditatoriais para uma instituição, em atroz desfavor à democracia e à proteção de direitos fundamentais da pessoa humana e, por conseguinte, da coletividade.
 
 Com relação ao vetor necessidade, há qualquer razão que oriente para a necessidade de que o Ministério Público desenvolva investigações autônomas e isoladas, sem qualquer regulamentação da lei processual penal, sem controle do Judiciário e conhecimento das instituições policiais, estas criadas com o desiderato principal de investigar crimes e proteger a sociedade, sendo que determina a lei processual o acompanhamento dos inquéritos policiais pelo Ministério Público, facultando-lhe, inclusive, a requisição de diligências e a possibilidade de pedido de arquivamento da investigação ao juízo competente? As únicas justificativas possíveis para busca de tamanha concentração de poder são a vaidade institucional e o desmerecimento à limitação de poderes, fundamental para a manutenção da ordem democrática (vide “Limitação de Poderes impede MP de Investigar”, na revista consultor jurídico de 09 de março de 2013).
 
 É proporcional em sentido estrito o referido poder investigatório, sendo que o Ministério Público é parte, titular único do exercício da ação penal pública, e o investigado não possui o mesmo aparato para produzir provas em sua defesa? Há paridade de armas? É, hialinamente, claro que a resposta só pode ser negativa. Chancelar a possibilidade de investigação isolada e direta pelo Ministério Público é dar margem para a criação de uma “fábrica” de erros judiciais futuros, pois promotores de justiça e procuradores da república não terão a distância necessária; fundamental para uma análise escorreita; para, com toda criticidade necessária quando se tomam decisões que possam repercutir no inestimável bem jurídico da liberdade, avaliar as conclusões de uma investigação, notadamente quando apontem para autoria de fato típico penal. O que poderá fazer o magistrado diante do oferecimento de denúncia construída por quem investigou; mesmo que equivocada; com enorme aparência de correção, pois que encadeada com raciocínios que parecem esclarecer materialidade e autoria de condutas típicas penais? A resposta possível é, absolutamente, um incisivo “nada”, a não ser referendar a peça acusatória, pois que seriam necessários erros grotescos na concatenação de ideias ou poderes sobrenaturais para que, por mais percuciente e sábio que seja, possa o magistrado decidir com justiça, detectando eventuais equívocos na denúncia oferecida. Claro é que, se assim for, estarão, brutalmente, ameaçados a ampla defesa e o contraditório.
 
 Por fim, para fins de reflexão, façamos os seguintes questionamentos: qual será o preço final dessa infindável, desnecessária e contraproducente querela, que afasta as instituições responsáveis pela persecução criminal? Será o caminho tentar enfraquecer as instituições policiais e concentrar poderes quase despóticos no Ministério Público, correndo-se o risco de transformá-lo nos “monstros” que eram as polícias até 1988, antes do advento da “Carta Cidadã”? Após inúmeras lutas para democratizar instituições policiais que antes eram verdadeiros instrumentos de opressão, de massacre de direitos individuais, criaremos outro monstro, o “Ministério Público de Robespierre”, que poderá desconsiderar o Estado de Direito e seus princípios mais comezinhos, sob argumento de se fazer uma suposta “revolução”, onde não importa o preço a ser pago? Este articulista, atrevendo-se a profetizar futuros possíveis, afirma que, a prosperar a tese defendida pelo Ministério Público, um absoluto retrocesso para a proteção de liberdades e direitos individuais, a tão duras penas conquistados nas lutas contra o arbítrio, advindo da excessiva concentração de poderes.