O Judiciário no Brasil (XXIII)

13 de agosto de 2007 13:16

Parece interessante observar que aos presidentes das Relações competia conceder licença para advogar (quando não houvesse bacharéis no distrito) o que se fazia sob a forma de um exame em sua presença. Já ao Supremo Tribunal de Justiça foram, entre outras, atribuídas as competências para conhecer dos recursos e mais objetos pertencentes ao ofício do chanceler-mor, à exceção das glosas postas em cartas, provisões e sentenças, que foram abolidas.

Recorde-se que as Ordenações Filipinas, em seu Livro I, Título II, § 21, prescrevia que: Por se evitarem alguns inconvenientes de o Chanceller-Mór passar pela chancelaria as sentenças, que em alguns casos, der, e cartas que per si passar, nos casos em que pode fazer, ou nos feitos, em que for autor, ou reo, mandamos que o Desembargador do Paço, mais antigo no officio passe as ditas Cartas e sentenças. E, tendo o dito Desembargador do Paço alguma dúvida, ou glosa, as determinará na Mesa, como acima fica dito que o há de fazer o Chanceller-Mór.

Essa competência do chanceler-mor passou para o conselheiro ou ministro (como também se designava) mais antigo do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do § 9º, 2ª parte, do art. 2º da Lei de 22 de setembro de 1828. Por outro lado, o governo chamou a si as seguintes atribuições: a) a expedir cartas de magistrados, conceder licenças a desembargadores e juízes, por mais de trinta dias, para saírem das áreas (zonas) de suas jurisdições. Registre-se, de passagem, que, para afastamentos por tempo menor, a competência era dos presidentes das respectivas Relações; b) permitir ao juiz de órfãos casar com órfãs de sua jurisdição; c) conceder licença para servir a dois ofícios e, d) decidir todos os mais negócios sobre que, até então, eram consultados os tribunais extintos.

No que se convencionou designar de sistema de legislar retalhadamente, foi sancionada pelo imperador, após aprovação pela Assembléia Geral (o poder legislativo, como sabido, no regime da Carta de 1824), lei de 23 de setembro de 1828, cuidando dos processos criminais sumários e seus julgamentos nas juntas de justiça. É bom registrar que, por mais sumários que fossem, não se proferia em tais processos sentença definitiva (estivesse ou não o réu preso), sem que a parte acusada ou o promotor apresentasse a acusação por escrito, com menção especificada nos autos e termos do processo, das testemunhas e prova documental que fizessem a culpa.

Com a contestação (defesa) do réu, dava-se lugar à prova dela, quanto apresentasse matéria relevante. Os processos para serem julgados nas Juntas, antes da convocação das mesmas, seriam instruídos e preparados pelo juiz relator, podendo os réus agravar nos autos do processo, de qualquer despacho considerado ilegal, e as ditas Juntas Criminais de Justiça, antes da sentença definitiva, tinham que apreciar os agravos eventualmente interpostos.

Lenine Neguete (in O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência, v. I, Império) oferece boa sínteses da lei em destaque: A Lei de 23 de setembro de 1828 firmou as seguintes regras: Em nenhum processo criminal, por mais sumário que seja, se proferirá sentença definitiva, ou o réu esteja preso ou solto, sem que a parte acusadora, ou o promotor na falta dela, apresente a acusação por escrito, com especificada menção dos autos e termos do processo, das testemunhas e documentos que fazem culpa. 2º) Não se recusará contestação do réu, dando-lhe lugar à prova dela, quando apresentar matéria de defesa que, provada, releve; sem o que, do mesmo modo, em nenhum processo, por mais sumário que seja, se proferirá sentença definitiva. 3º) Os processos, para serem julgados nas Juntas Criminais de Justiça, serão, antes da convocação das mesmas, instruídos e preparados pelo relator, na forma supra, podendo os réus agravar no auto do processo de qualquer despacho ilegal; e as Juntas, pronunciando primeiramente sobre tais agravos, só depois passarão à sentença definitiva (Op. cit. p. 46).

No dia 24 de setembro de 1828 foi sancionada lei provendo sobre a organização das Juntas de Justiça, na hipótese em que houvesse falta de juízes letrados e advogados de boa nota para compô-la. À sua falta, pois, serviriam vereadores da Câmara da capital. Na realidade, o diploma legal em destaque (que poderia ter constado como uma disposição da lei sancionada na data anterior, isto é, a de 23 de setembro de 1828) referia-se à Junta de Justiça, criada em Goiás por carta régia de 12 de agosto de 1771. Contudo, no art. 2º, aproveitou para estender a norma em todas as províncias onde houvesse Juntas de Justiça.

Essa mesma lei, destaque-se, dispôs que, das sentenças de pena de morte, natural ou civil, proferidas pelas Juntas de Justiça, houvesse apelação ex-officio para a Relação do distrito, sendo-lhes os autos remetidos por cópia, no prazo de trinta dias. Anota Aurelino Leal (in História Judiciária do Brasil, HGB, Imprensa Nacional, 1922, p. 1181) que as disposições dessas leis indicam bem os grandes males que elas tiveram por fim remediar. Havia 70 anos que, com a instituição da Junta de Justiça do Pará, se dera aos processos dos mais crimes uma fórmula simplesmente verbal e sumaríssima.

Por ilustrativo, recorde-se que morte natural é toda aquela que põe termo à vida de uma pessoa, seja qual for a causa (e, por aí passou também a pena de morte no direito brasileiro). Em síntese, lembre-se Horácio (in Epístolas, I, 16, 79) mors ultima linea rerum est, isto é, a morte é a última linha de todas as coisas (ou a morte é o termo final de todas as coisas).

Já, por morte civil (mors civilis) cuida-se de morte ficta imposta à pessoa, privando-a não só da liberdade, mas também de todos os direitos de cidadania. No velho Direito Romano, recorde-se, havia a figura da capitis deminutio, melhor dizendo-se no plural, capitis deminutiones, pois havia de três tipos, em que o cidadão poderia perder o estado de família (status familiae), o estado de cidadania (status civitatis) e o estado de liberdade (status libertatis), esta última considerada a capitis deminutio máxima (do decreto de 13 de maio de 1821).