O Ministério Público e a Investigação Criminal
Em toda história republicana brasileira não foi editada nenhuma norma capaz de conferir ao Ministério Público a tarefa de conduzir investigações criminais. Essa missão sempre coube a quem fizesse o papel de polícia judiciária. Isso ficou cristalino durante os trabalhos dos constituintes de 1988, onde naquela ocasião rechaçaram várias propostas que visavam atribuir aos promotores o poder de investigar crimes. Restou ao MP, dentre tantas outras atribuições, exercer o controle externo da atividade policial, o qual está intrinsecamente ligado à função de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
A missão constitucional de exercício do controle externo do trabalho policial é de suma importância à medida em que o MP fiscaliza os atos praticados pelos policiais externamente, e não internamente, ou seja, é mais uma forma de proteção da sociedade contra qualquer tipo de abuso praticado contra ela por maus policiais nos seus atos de ofício.
Ao Ministério Público coube outra função, talvez a mais importante no âmbito criminal, que é promover, privativamente, a ação penal pública. Nesse seu mister, o Promotor Público funciona como um ponto de equilíbrio entre a Polícia e o Judiciário. A polícia investiga, conclui a investigação, leva o inquérito policial ao MP, que faz uma acurada análise para dizer se oferece ou não a denúncia. Se não se der por satisfeito com o trabalho da polícia, devolve o inquérito policial para que sejam feitas novas diligências ou até mesmo opinar pelo arquivamento do caderno informativo quando verificar o não delineamento de uma autoria delitiva. Diferente do modelo norte-americano, em que o MP se confunde com a polícia, podendo promover quaisquer diligências visando apurar o fato delituoso e sua autoria.
O que é bom para os Estados Unidos, talvez não o seja para o Brasil. Quando o Promotor de Justiça se traveste de policial, como sói acontecer no exercício do trabalho policial, ele se envolve emocionalmente com os fatos, numa incessante busca de uma autoria, e não esclarecimento de como tudo aconteceu ou deixou de acontecer, o que somente é possível quando ele se posta entre o Delegado de Polícia e o Juiz, para, respeitando o princípio da imparcialidade, agir na intransigente defesa da ordem jurídica. Afinal de contas, é muito comum as pessoas afirmarem que ao Ministério Público cabe somente acusar, o que não é verdade. Como paladino da sociedade, se não há elementos suficientes para se atribuir uma autoria criminal, o Promotor tem o dever de requerer o arquivamento do inquérito policial, sem o oferecimento da denúncia, como o contrário também poderá ocorrer.
Também se propala aos quatro cantos que retirando o poder de investigação do MP, poder este que nunca existiu e não existe constitucionalmente, estaria selada a impunidade em relação aos agentes públicos envolvidos com o crime organizado. Isso é uma falácia. O MP pode e tem o dever de atuar por meio do inquérito civil e da ação civil pública visando a condenação dos agentes públicos e políticos ou terceiros que tenham praticado atos de improbidade administrativa. Uma vez instaurada a respectiva ação o infrator estará sujeito a ter suspenso seus direitos políticos, a perda da função pública, e o mais importante, a indisponibilidade de seus bens, mais o ressarcimento ao erário naquilo que foi surrupiado, sem prejuízo da ação penal. Ora, todos sabem que para o marginal, cadeia não lhe afeta, mas quando se mexe no bolso ele sente o peso da Justiça. A Lei 8429/1992 é perfeita nesse sentido, considerada como um excelente instrumento na defesa da sociedade como um todo.
Ingênuas são as pessoas imaginarem que uma vez promovendo uma determinada investigação criminal o MP não perca sua imparcialidade. Qualquer policial sabe que é comum o investigador ser acometido da síndrome da culpabilidade, para apontar o mais depressa possível o autor ou autores de determinado crime. Com a rejeição da PEC 37, a meu ver, a Câmara dos deputados agiu pela pressão e não com a razão. A grande maioria dos manifestantes que empunharam bandeiras contra a aprovação dessa proposta, na verdade não sabe do que se trata. Por isso, o que temos hoje é um Estado Brasileiro policialesco, em que o MP vai poder conduzir uma investigação sem nenhum limite ou controle externo, o que descamba para o abuso, comum quando se dá amplos poderes na mão de uma só pessoa, sem freios e contrapesos. E vou mais além. Caso não se defina o verdadeiro papel da polícia judiciária e do MP, a Polícia Rodoviária e Militar vão se achar no direito de também promoverem a apuração de fatos delituosos.