O problema dos “grampos”
Diante dos abusos atribuídos à Polícia Federal nas Operações Hurricane, Navalha, Têmis e Xeque-Mate, quando vazaram para a imprensa conversas obtidas por meio de grampos telefônicos e de escutas ambientais, o Executivo e o Legislativo tomaram a iniciativa de elaborar projetos para mudar a legislação que disciplina a quebra do sigilo telefônico, sob a alegação de que ela é ultrapassada. Mas, enquanto o Executivo quer ampliar as prerrogativas da polícia, o Congresso quer adotar regras mais restritivas.
As Comissões de Constituição e Justiça e de Segurança da Câmara já aprovaram dois projetos que, entre outras medidas, restringem o rol de delitos que podem ser investigados por meio de grampos, condicionam a quebra de sigilo telefônico pela polícia a uma consulta prévia ao Ministério Público, tipificam como crime o repasse irregular do teor de conversas grampeadas aos órgãos de comunicação e exigem a transcrição de tudo o que foi gravado. Esses projetos também estabelecem o limite máximo de 60 dias para a duração dos grampos, sob a alegação de que, se os inquéritos devem ser feitos em 30 dias, não se justifica prazo maior para as escutas autorizadas pela Justiça.
O projeto que o governo está elaborando, ao que se sabe, não tipifica o vazamento de escutas telefônicas como crime, fixa um prazo de 360 dias ininterruptos para as interceptações autorizadas pela Justiça e permite o uso de grampos para investigar delitos punidos com detenção e reclusão. Além disso, não exige a transcrição das gravações. Este é um tema que sempre preocupou o Supremo Tribunal Federal, cujos ministros, para proteger os cidadãos, estão cada vez mais rigorosos no exame de provas obtidas por meio de escutas telefônicas e ambientais.
O projeto do governo vem na hora errada, diz o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, lembrando que seria mais sensato esperar o término da CPI do Grampo. A legislação atual não protege o cidadão nem garante as condições para que a Polícia Federal desbarate grandes quadrilhas, contrapõe o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay.
Na realidade, o desvirtuamento das escutas telefônicas autorizadas pela Justiça não decorre de problemas da legislação em vigor. Concebida para aumentar a eficiência da polícia no combate ao crime organizado e sancionada em 1996 pelo presidente Fernando Henrique, a Lei 9.296 prima pela objetividade. Segundo ela, a interceptação de comunicações telefônicas tem por objetivo ajudar nas investigações e coleta de provas, devendo ser realizada sob segredo de Justiça. O pedido pode ser feito pela polícia, na fase de investigação, e pelo Ministério Público, nas fases de investigação e de instrução processual, tendo o juiz o prazo de 24 horas para acolhê-lo ou rejeitá-lo.
Para evitar pedidos de quebra de sigilo telefônico formulados em termos genéricos e sem abertura de inquérito, a lei trata o grampo como medida excepcional, proibindo sua utilização quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção, quando a prova puder ser obtida por outros meios disponíveis e quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal. No pedido, deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Segundo a lei, quando a autorização do juiz não for devidamente fundamentada, com a indicação dos meios a serem empregados, a autorização é passível de nulidade. Ao apresentar os resultados das escutas ao juiz, a polícia tem de enviar um auto circunstanciado das operações e destruir as gravações que não servirem como prova. A sanção prevista para escutas realizadas sem autorização é de dois a quatro anos de reclusão.
O problema dos grampos, como se vê, decorre mais da falta de cautela de delegados, promotores e juízes do que de falhas da legislação, que é clara e preserva os direitos dos cidadãos. O mais sensato, portanto, não é alterá-la, com o risco de ferir liberdades públicas, como se infere do projeto em estudo pelo governo, mas de aplicá-la de modo mais criterioso.