O Terrorismo e suas Implicações no Ordenamento Jurídico Brasileiro

22 de julho de 2013 18:20

RESUMO

O terrorismo representa um dos elementos definidores de políticas no cenário mundial atual. A ameaça ubíqua do terrorismo invade as vidas e os pensamentos das pessoas, causando a sensação permanente de medo e violência. Apesar da importância do assunto, contudo, o fenômeno permanece mal compreendido, inadequadamente explicado e sem controles eficazes. Novas formas de terrorismo aparecem por toda parte. Mas o que é terrorismo? Quem é terrorista? Quais são as medidas mais comumente utilizadas para prevenir e/ou combater o terrorismo? Quais as ferramentas da Legislação Pátria para o enfrentamento do Terrorismo? Essas são algumas das questões analisadas neste estudo.

 Palavras-Chave: Terrorismo. Atos de Terror. Globalização. Direito Constitucional. Direito Penal.

Introdução

Em 11 de novembro de 2007, torcedores italianos reagiram com uma onda de violência à morte de Gabriele Sandri, torcedor do Lazio (de Roma) baleado por um policial, num posto de beira de autoestrada, na região de Toscana (FOLHA ON LINE, 2008).

Em 9 de dezembro de 2007, na denominada Operação Cartão Vermelho foram presos 28 torcedores identificados em distúrbios entre torcidas de futebol no Rio de Janeiro, em novembro de 2008, ocasião em que uma pessoa foi assassinada (SILVA, 2008, p. 3).

As duas notícias guardam entre si semelhanças, briga de torcidas, distúrbios, dano público e privado, e homicídio. As semelhanças acabam aí. No primeiro caso, na Itália prossegue a notícia “segundo a Procuradoria Pública de Roma, a violência dos torcedores de futebol adquiriu características de Terrorismo”. Segundo o noticiário italiano, os torcedores presos após os tumultos estão sendo acusados de ter praticado “ações terroristas”. Já no segundo caso ocorrido no Brasil, continua a notícia “presos fazem parte do bando de 31 pessoas de classe média indiciadas por formação de quadrilha, homicídios e corrupção de menores”.

Embora ações parecidas as legislações contemplem tipificações completamente diferente.

Tais fatos nos levam a lembrar dos casos de facções criminosas proporcionando rebeliões em presídios orquestrados simultaneamente, ataques a delegacias de polícia, quartéis do corpo de bombeiros, ataques a fóruns com armas de fogo e bombas, assassinatos indiscriminados de policiais e militares, incêndios em ônibus, inclusive com pessoas no seu interior, grupos pertencentes à movimentos sociais organizados invadindo hidrelétricas, invadindo o Congresso Nacional criando tumultos e danificando o patrimônio público, invasão de propriedades rurais privadas e públicas com pilhagem e destruição de plantação e bens móveis, mantendo pessoas em cárcere privado, todos atos que puderem ser, em tese, considerados atos terroristas.

Em se tratando de subsunção de fatos à tipologia penal, é da maior relevância perquirir os elementos essenciais que permeam a conduta criminosa. Desse modo, vale observar se os atos que vêm atemorizando o Brasil guardam similitude com os ataques terroristas internacionais. Sabendo-se que o modus operandi em ambos os casos é impor a supremacia de sua vontade mediante o terror, em que medida se afasta e se aproximam estes crimes, uma vez que a atuação do Estado e mesmo de organismos internacionais dependerá desta avaliação.

As questões que se apresentam são inafastáveis: como caracterizar estas condutas no nosso ordenamento jurídico-penal? E respondida esta primeira indagação, qual a reprimenda estatal adequada aos crimes perpetrados?

É sobre este estudo que nos debruçamos e trazemos à baila para discussão.

1. Conceito de Terrorismo

Esta é a grande dificuldade sobre o tema, a definição global do que seja terrorismo. Jay Mallin (1981, p. 5) diz que todos os que escrevem sobre o terrorismo laboram sobre a dificuldade que resulta do fato de que a ninguém foi possível desenvolver uma definição do terrorismo inteiramente satisfatória.

Alfred P. Rubin (RUBIN apud FRAGOSO, 1981, p. 6), aludindo às mesmas dificuldades, desenvolve a seguinte reflexão:

Uma análise dos atos comumente referidos como terrorismo revela que não existe fator comum para distingui-los do crime comum. A violência, por exemplo, pode não existir se um sistema de telecomunicações é desarranjado por meios eletrônicos ou se bacilos de moléstias contagiosas são enviados pelo correio. O motivo político da OPEP em sua reunião de Viena, em 1975. A criação de terror pode também não existir em fatos isolados, como os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy. As razões pelas quais o rótulo “terrorista” é aplicado num caso, e não no outro, prossegue Rubin, parece terem pouco a ver com a natureza dos atos.

Cuello Calon (CALON apud FRAGOSO, 1981, p. 6) ensina que terrorismo significa criação, mediante a execução repetida de delitos de um estado de alarme e terror na coletividade ou em certos grupos sociais para impor ou fornecer a difusão de determinadas doutrinas sociais e políticas.

Eric David (1974, p. 28 apud FRAGOSO, 1981, p. 8) sustenta que o ato terrorista aparece como um ato de violência cometida com fim político, ideológico ou social. É necessário ainda que seja capaz de infundir terror.

É de se notar em estudo que até a década de 80 uma existência clara de tendência em se caracterizar o terrorismo como visão político social, tendo Fragoso (1981, p. 12), admitido que atentados e extorsões praticadas por organizações criminosas tipo máfias constitui apenas crimes comuns, e só impropriamente poderão ser chamadas de terroristas.

Verifica-se, assim a teoria do terrorismo do crime político adotado pela nossa lei de segurança nacional.

Jay Mallin (1978, p. 100 apud FRAGOSO, 1981, p. 10) afirma que existe o terrorismo criminoso, cometido por fins patrimoniais e comumente mascarado de político. Sobre o pensamento de Mallin, o professor Fragoso em nota de rodapé na obra Terrorismo e Criminalidade Política assinala a concordância desse posicionamento também por Jordan J. Paust, e Dautricourt (J.Y.).

Conforme se verifica no site da Organização Das Nações Unidas (2008, p. 1) sobre o Título “Definir Terrorismo, umas das missões da cúpula” (Cúpula Mundial de 2005), a própria ONU persegue o intento de uma definição universal de terrorismo.

2. A Globalização e a Influência na Violência nos Grandeses Centros Urbanos

De acordo com o ponto de vista das transformações mundiais, as mais expressivas se operaram a partir da década de 1980. Com efeito, as inovações tecnológicas proporcionaram a supressão das distâncias e a comunicação em tempo real através da rede mundial de computadores. Não é possível deixar de atribuir valor a este fato, pois todos os setores da sociedade sofrem influência deste processo contínuo de ruptura da noção de fronteiras.

Através das conquistas tecnológicas, mesmo aqueles que não têm consciência das implicações do fenômeno global, já estão por ele contaminados. A supressão dos limites territoriais provoca o incontestável o crescimento nas relações comerciais entre os países de todo o mundo, dando início às organizações de grandes blocos, e, conseqüentemente, ao rompimento paulatino do conceito de Estado-Nação (SILVA, 2000, p. 35).

O apelo do consumo é cada vez mais intenso. O processo incessante de desenvolvimento tecnológico é o responsável pela sensação de haver sempre um modelo melhor, menor, menos pesado, mais eficiente. Deve haver uma cláusula “até segunda ordem em cada juramento de lealdade e em cada compromisso” (BAUMAN, 1999, p. 89).

Assim se processa com os bens de consumo, com os relacionamentos, com a ética e com a produção do conhecimento.

Entretanto, para os que não conseguem manter tal avidez de adquirir, resta a exclusão da sociedade consumista globalizada, a sensação de não fazer parte. Nesse sentido, notável o magistério de Habermas (2001, p. 72) de que “a globalização dividiu a sociedade mundial em vencedores, beneficiários e perdedores”.

Em casos extremos, os excluídos recusam ao mundo que os recusou, e passam a associar-se e viver conforme suas próprias leis, ignorando a autoridade do Estado e das normas por ele impostas. Não é necessário explicar o fato evidente de que o fenômeno da globalização dá lugar, ao mesmo tempo, ao surgimento de condições específicas para a prática de uma nova criminalidade ou delinqüência associada à globalização.

De ressaltar que para efeitos do presente estudo, considera-se como ponto de observação tão somente a atuação violenta de associações criminosas, não contemplada a criminalidade econômica presente no mundo globalizado. Ainda que a circulação de moeda proveniente da prática de ilícitos penais seja o suporte para as organizações criminosas1 que atuam por meio do terror, busca-se avaliar os atos de violência perpetrados nos grandes centros urbanos contra um número indeterminado de vítimas, e sua possível identificação com a conduta de terrorismo (CAPEZ, 2006, p. 234).

Diante de uma sociedade com apelos de consumo tão expressivos como os que se verificam na atualidade, os “excluídos” do sistema buscam seus próprios meios de inserir-se na cultura do “ter” para “ser”. As organizações criminosas com seu comércio clandestino de armas e entorpecentes movimentam milhões de dólares anualmente, razão pela qual conseguem arregimentar cada vez mais jovens para realizarem suas atividades ilícitas.

Por certo que a globalização está intimamente ligada a este processo de banalização da violência, eis que organizações criminosas transnacionais impõem sua presença perniciosa nos grandes centros urbanos através do dinheiro que circula nas atividades ilícitas, corrompendo agentes públicos e utilizando o terror como porta-voz para o atendimento de suas exigências.

Como é de conhecimento notório alguns Estados da federação foram atingidos pela impiedosa violência das organizações criminosas. Assim, ônibus foram e são queimados, criminosos comandam o “toque de recolher” aos cidadãos, estabelecimentos comerciais são impedidos de abrir as portas ou obrigados a fechá-las, juízes, policiais e autoridades carcerárias são mortos e a sociedade se vê diante de um quadro de terror ainda não presenciado.

3. O Terrorismo

O Terrorismo constitui, sem duvida, um dos fenômenos mais inquietantes de nosso tempo desafiando os governantes e conduzindo os juristas a perplexidade (FRAGOSO, 1981, p. 1).

O mundo assiste diariamente e em tempo real, a cenas de extrema crueldade e violências, através das quais vidas inocentes são perdidas em combates suicidas. Impossível deixar de atribuir relevância ao dia 11 de setembro de 2001, “a mais hedionda e terrorista missão já perpetrada”. A data pode ser considerada um marco em uma era de instabilidade mundial, uma vez que ataques terroristas sem apoio de qualquer Estado atingiram os símbolos do capitalismo pós-moderno. Além da sombra da destruição e do enorme número de civis mortos neste trágico episódio, o fato provocou um alerta mundial, em muito alimentado pela mídia, que incessantemente reproduzia as imagens do que antes era inimaginável. (BORRADORI, 2004, p. 60)

O reflexo dos ataques aos Estados Unidos prontamente se fez notar em todo o mundo, pois foi possível constatar a vulnerabilidade da potência capitalista diante da empreitada terrorista.

Em tempos de mundo globalizado, nada é mais estratificado e isolado. A modernização acelerada e o desenvolvimento tecnológico promovem uma alteração significativa na “ordem mundial”, na qual os reflexos são sentidos simultaneamente, ignorando as limitações geográficas. Tendo em vista que Inglaterra e Espanha também já haviam se tornado alvos, os Estados passaram a compartilhar do medo de ações terroristas, buscando estabelecer formas de prevenção e reação a possíveis ataques, potencializando a sensação de insegurança mundial.

Em vários países surgiram novas leis mais severas para a punição dos fatos constitutivos do terrorismo, embora não tenham os juristas logrado estabelecer um conceito de validade geral (FRAGOSO, 1981, p. 1).

3.1. A Limitação da Legislação Pátria

O ordenamento jurídico brasileiro é limitado ao tratar do terrorismo. A Constituição de 1988, em seu rol de garantias enumeradas no art. 5º, estabeleceu que o terrorismo, juntamente com a tortura e o tráfico ilícito de entorpecentes são crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Contudo, a doutrina nacional apresenta divergências acerca da caracterização do delito em estudo, não havendo fartado material sobre o tema. “O legislador brasileiro não incluiu, na codificação penal comum, o delito de ‘terrorismo’ e as figuras típicas que lhe são afins” (FRANCO, 2005, p. 116). No entanto, inobstante a ausência desta figura típica no código, parte da doutrina considera que a Lei 7.170/83, Lei de Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança pública e a ordem política e social, previu, em seu art. 20, o crime de terrorismo como sendo devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para a obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas, com pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos (MORAES, 2005, p. 65).

A partir desta divergência inicial, surgem os desdobramentos do ordenamento jurídico em face do terrorismo. Na hipótese de não ser considerado o art. 20 da Lei 7.170/83 como a norma interna que define o tipo penal de terrorismo, e não havendo outro dispositivo penal neste sentido, restaria letra morta a Lei 8.072/90, que em seu art. 2º equipara o ilícito de entorpecentes são crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Contudo, a doutrina nacional apresenta divergências acerca da caracterização do delito em estudo, não havendo farto material sobre o tema. “O legislador brasileiro não incluiu, na codificação penal comum, o delito de ‘terrorismo’ e as figuras típicas que lhe são afins” (FRANCO, 2005, p. 116). No entanto, inobstante a ausência desta figura típica no código, parte da doutrina considera que a Lei 7.170/83, Lei de Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança pública e a ordem política e social, previu, em seu art. 20, o crime de terrorismo como sendo devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para a obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas, com pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos (MORAES, 2005, p. 65).

A partir desta divergência inicial, surgem os desdobramentos do ordenamento jurídico em face do terrorismo. Na hipótese de não ser considerado o art. 20 da Lei 7.170/83 como a norma interna que define o tipo penal de terrorismo, e não havendo outro dispositivo penal neste sentido, restaria letra morta a Lei 8.072/90, que em seu art. 2º equipara o 20 da Lei 7.170/83 como o tipo penal referente ao terrorismo. Necessário se faz doravante, examinar seus elementos objetivos e subjetivos, a fim de verificar se a subsunção dos fatos é exata à norma em comento.

O art. 20 da Lei 7170/83, sucedâneo do revogado art. 28 da lei nº 6620/78, é tipo misto alternativo, ou de conteúdo variado, mediante o qual a consumação se opera ainda que não praticadas todas as condutas criminosas descritas. Por via de conseqüência, o crime será único na hipótese de, em um mesmo contexto fático, o agente praticar mais de uma conduta recriminada.

Quanto ao núcleo do tipo, é comentário de Heleno Fragoso (1981, p. 98), “a origem da lei é indisfarçável e transparente numerosa expressões que não tem significado jurídico (devastar, saquear, assaltar, depredar, atentado pessoal)”, não é uma lei feita por juristas.

E continua o doutrinador:

As diversas figuras de delito que se enquadram no conceito de terrorismo são crimes pluriofensivos, pois atingem imediatamente determinados bens (vida, patrimônio, liberdade, etc.) e, por igual, em termos de perigo, a segurança do Estado, que compreende a ordem político-social vigente. Exigem, portanto, no tipo subjetivo, vontade e consciência de praticar a ação que configura o ilícito, com especial fim de agir, o propósito de atentar contra a segurança do estado (dolo específico) (FRAGOSO, 1981, p. 98).

O crime encontra consumação através da prática dos núcleos (verbos) enumerados no referido artigo. As condutas de “devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal” encontram correspondência no Código Penal, tratando-se o art. 20 de crime remetido, pois o ordenamento jurídico-penal fornece a descrição dessas figuras típicas. O mesmo não ocorre com a prática de “atos de terrorismo“, formulação genérica o qual deve ser interpretada de alcançar outros casos semelhantes.

Discute-se sobre o Princípio da Reserva legal no que tange a terminologia atos de terrorismo. Entre os doutrinadores temos a posição de Silva Franco (2005, p. 117) de que a dogmática penal do Estado Democrático de Direito não se coaduna com normas de conteúdo indefinido, conceitos vagos e imprecisão terminológica, o que fere o Princípio da Legalidade e retira a aplicabilidade de parte do art. 20, no que se refere a atos de terrorismo.

Em contrário sustenta Capez (2006, p. 644) que não existe ofensa ao Princípio da Reserva Legal nessa previsão normativa, visto que no bem jurídico não pode ficar sem proteção, já que a Constituição Federal tutela o direito à vida, à segurança, ao patrimônio, ente outros (art. 5º, caput), o largo alcance de elementar em questão é perfeitamente aceitável.

Ainda, para Capez (2006, p. 644):

Assim, são atos terroristas todos os verbos constantes no tipo e também qualquer outra assemelhada a essa condutas (qualquer outro ato de terrorismo). Trata-se de crime ação múltipla ou conteúdo variado, de forma que basta a pratica daquelas ações. Desde que por inconformismo político ou com o fim de obter fundos que visem a manutenção de organizações clandestinas ou subversivas, para que o crime se configure.

Fornece, ainda, o autor os seguintes conceitos:

Organização políticas clandestinas são aquelas constituídas ilegalmente; as organizações políticas subversivas são aquelas que não se submetem às leis ou as autoridades constituídas, que pretendem destruir ou transformar a ordem pública social e econômica estabelecida (CAPEZ, 2006, p. 644).

Excetuando-se a prática de atos de terrorismo que não possui delimitação concreta, todas as condutas relacionadas no artigo referido admitem a modalidade tentada.

O crime se perfaz com a consciência voltada a realizar as condutas descritas no caput, o dolo. Em obediência à determinação contida no art. 18, § único, Código Penal, aplicável também à legislação especial, não se admite a forma culposa, tendo em vista sua ausência no tipo penal em comento. No entanto, há que se observar o fim específico  perseguido pelo agente por inconformismo político ou para a obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas (FRAGOSO, 1981, p. 85).

Nestas elementares se concentra a estrutura do crime de terrorismo, a razão de ser da norma penal, e assim as formas de terrorismo previsto na lei de segurança nacional, são e sempre foram crimes políticos. É justamente deste ponto que parte toda a discussão acerca da caracterização dos atos de violência urbana (FRAGOSO, 1981, p. 95).

3.2 Terror ou Terrorismo?

Tendo como premissa que as condutas terroristas devem ser orientadas pela finalidade precípua de atacar o Estado Democrático de Direito e suas instituições, por inconformismo político ou para obter fundos de manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas, os atos de violência e terror verificados no Brasil, especialmente em São Paulo, Rio de Janeiro e no Espírito Santo não guardam relação com o possível crime de terrorismo do art. 20 da Lei no 7.170/83.

Uma mínima visão dos casos concretos ocorridos nesses Estados demonstra que as organizações criminosas não apresentam finalidade  política subversiva que justifique sua adequação típica como terrorismo.

Entre outros motivos, a ineficiência estatal no combate a criminalidade aliada à corrupção fazem com que as organizações criminosas imponham sua vontade pela força da propina, ou quando esta não se mostra suficiente, pela força do medo, como forma de demonstrar seu poderio bélico e sua indiferença pela vida humana, dessa maneira afetando a segurança pública.

Com efeito, a atuação violenta que custa a vida de inocentes e a credibilidade das instituições não é fruto de terrorismo, mas de terror. As organizações criminosas não apresentam ideologia política que alimente suas condutas cruéis. Ao contrário, beneficiam-se de um sistema em crise, em que a ética perdeu significado em detrimento dos valores que o dinheiro pode comprar.

Surge assim de forma evolutiva o chamado Terrorismo moderno:

O terrorismo moderno para se adaptar à nova realidade mundial (globalização, neoliberalismo e suas consequências), sofreu muitas transformações. Agora não somente de cunho fundamentalista ou ideológico, mas bem próximo da delinquência comum, em que se nutre de outros delitos transnacionais, os chamados crimes conexos, como o contrabando de armas, explosivos e munições, extorsões, narcotráfico, lavagem de dinheiro, redes de prostituição, sequestros, falsificação de documentos e corrupção (WOLOSZYN, 2008).

A violência perpetrada por organizações criminosas nos grandes centros urbanos se caracteriza por meio de crimes comuns previstos no Código Penal, como o homicídio (art. 121), lesões corporais (art. 129), constrangimento ilegal (art. 146), ameaça (art. 147), entre outros tipos penais de perigo comum como incêndio e explosão (arts. 250 e 251).

Cumpre ressaltar que a repressão estatal à atuação destas organizações criminosas deve considerar seu caráter global ou transnacional, repensando a dogmática estratificada, fundada apenas na soberania interna do Estado-Nação para a persecução e resposta penal. Por certo que é indispensável à prevenção e repressão destes crimes, uma vez que em se tratando de organizações criminosas que financiam a corrupção institucionalizada, a ausência de resposta do Estado implica em permanente sensação de insegurança e vulnerabilidade. 

O Direito Penal é invocado com a missão de atender e responder à realidade conflitiva e transnacional, representada pela constante tensão entre a soberania do Estado-Nação e a necessidade de resposta globalizada, como se vê, “os ordenamentos penais nacionais cada vez tornam-se mais porosos à incorporação de elementos jurídico-penais de tradições distintas” (JAKOBS, 2005, p. 105).

Em resposta a empreitadas terroristas e atividades criminosas cometidas por indivíduos que abandonaram o Direito de forma permanente, surge no cenário acadêmico alemão o “Direito Penal do Inimigo” de Günther Jakobs (2005, p. 36), o qual acredita que “um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”, e, prossegue o autor, “o Estado pode proceder de dois modos com os delinqüentes: pode vê-los como pessoas que (…) tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação”.

Os atos terroristas deslegitimam o Estado e a vigência de suas normas, declaram guerra ao ordenamento jurídico, devendo, portanto, ser tratados à margem das garantias que o Estado de Direito assegura aos cidadãos, desta forma, para Jakobs (2005, p. 36), deve receber a denominação de terrorista “quem rechaça, por princípio, a legitimidade do ordenamento jurídico, e por isso persegue a destruição dessa ordem”.

Há quem entenda que os atos de terror praticados nos grandes centros urbanos, assemelhados ao terrorismo pelo rastro de destruição e mortes que perpetuam não carecem de novas formatações, da criação de tipos penais específicos ou da majoração de penas ou de regime de cumprimento. O que se observa quando destas alterações legislativas de ocasião, é que elas apresentam efeitos meramente simbólicos, não enfrentando a questão da criminalidade de maneira objetiva e eficaz. Por esta razão, desnecessária a produção legislativa em relação à criminalidade violenta; os tipos penais já existem e bastam à repressão dos delitos em estudo. O que falta é aplicabilidade efetiva das normas postas pelo Estado e ética nas instituições públicas e privadas.

Em outra mão, cada vez mais crescente o entendimento que esse Terrorismo Criminal, deva ter reprimenda de um crime de natureza comum, entendimento este agasalhado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, e já adotado por alguns países (WOLOSZYN, 2008).

Por fim, não podemos nos afastar das lições de Heleno Fragoso (1981, p. 116) sempre atual:

Vivemos em uma sociedade violenta, opressiva, desigual e injusta. A desigualdade social escandalosa reflete-se, de forma dramática, no funcionamento dos mecanismos repressivos. O sistema econômico em crise marginaliza áreas cada vez maiores da população, com assombroso número de menores carentes, que constituem o exercito de reserva da criminalidade em preparação. […] O crime é fenômeno sócio-político, que parece estar ligado, em certo contexto histórico, a condições estruturais de formação social. Essas condições não são afetadas pelo sistema repressivo. Não é com direito penal que se resolve o problema da criminalidade.

A discussão do tema deve, portanto, ser ampla, e por mais complexa que seja enfrentada com realidade e sem timidez, pois não se reconhece o Estado que não detenha o racional e efetivo controle de suas atividades típicas. Já foi dito que a atuação estatal sem controle é império de arbitrariedade. Controle estatal sem atuação é domínio pela força estéril. O Estado Democrático de Direito deve assegurar o equilíbrio entre legalidade jurídica e legalidade social, com vistas à verdadeira democracia.

Considerações  Finais

Não há um conceito global aceito ao certo do que seja terrorismo.

Em nossa legislação, o terrorismo, expresso no art. 20 da Lei 7170/83, é considerado um tipo aberto, ação múltipla ou conteúdo variável.

Editado em plena ditadura militar, foi elaborado dentro do conceito expresso na teoria do crime político.

Assim, dentro da legislação penal brasileira pAssim, dentro da legislação penal brasileira para ser caracterizado o crime de terrorismo as ações têm que ter por fim específico do incon­formismo político ou para obtenção de fundos destinados a manutenção de organização política, clandestinas ou subversivas.

Embora Organizações Criminosas ou não, nos fatos dados como exemplo na introdução deste trabalho pratiquem as ações do núcleo do tipo esta não configuram o crime em razão do fim de agir exigido na atual legislação.

Em que pese o entendimento de Heleno Fragoso (1981, p. 124) que se pretender equiparar o terrorismo a criminalidade comum é desconhecer o seu sentido histórico e jurídico, várias correntes vêm se formando e despolitizando o tema, criminalizando-o como crime de natureza comum para atender necessidades contemporâneas de combate as atividades ilícitas principalmente oriundas de organizações criminosas tal qual instruída na Convenção de Palermo em 2000, ratificada pelo Brasil, que se demonstram cada vez mais organizada e utilizando mecanismos terroristas. Carece a nossa legislação de norma moderna e eficaz para a temática, com o objetivo de adequação aos fatos ilícitos com maior eficiência e justiça.