O terrorismo mundial na França e sua não criminalização no Brasil
Os tristes eventos da sexta-feira passada (13/11), em Paris, deixaram mais de 300 vítimas, entre mortos e feridos, atribuídas a integrantes do Estado Islâmico, que agiram nas imediações do Stade de France (onde ocorria um jogo amistoso entre as seleções de futebol francesa e alemã, com a presença do presidente francês, François Hollande), na casa de espetáculos Bataclan, nos bares Le Carillon e La Belle Equipe, além de ruas da cidade.
A resposta francesa foi intensificar ataques aéreos na cidade de Raqqa, na Síria, principal base do EI, com destruição de campo de treinamento e depósito de armas.
A radicalização de grupos separatistas e nacionalistas e os conflitos étnicos têm aumentado mundialmente. Há pouco mais de um mês, em 10 de outubro de 2015[1], quase cem pessoas morreram em uma explosão perto da estação ferroviária no centro da capital turca, Ancara, que teve ainda mais de 200 feridos, provocada por dois homens-bomba.
As consequências dos atentados poderiam ser piores, se não fosse pelo forte policiamento, alertas contidos em informes de inteligência e esforços incessantes da França e demais países na repressão ao terrorismo, por meio de combate contra células terroristas locais e as abrigadas, principalmente, no norte da África e do Paquistão, Iraque, Síria, Afeganistão, Iêmen, Península Arábica, Nigéria e Somália[2].
É de bom alvitre controlar os ânimos e não superdimensionar os fatos em relação aos demais fenômenos de criminalidade mundial. Embora, em apenas um ano, as mortes decorrentes de ataques terroristas tenham aumentado 61%[3], o homicídio é responsável por 40 vezes mais mortes (437 mil vidas perdidas no mundo, em 2012) em comparação com a ação do terrorismo (11 mil mortes em 2012).
O Mapa da Violência no Brasil (2015[4]) divulgou que ocupamos o 11º lugar no ranking dos países com maior proporção de mortes violentas (28,7) para cada 100 mil habitantes, no total de 40.077 homicídios (dados de 2012). Os dados estatísticos demonstram que o Brasil tem quase quatro vezes mais mortes por homicídios, em comparação com as mortes causadas por ações terroristas no mundo inteiro, no mesmo período de um ano. É claro que, por aqui, houve o avanço da criminalidade comum e que o nosso flagelo é a atuação das organizações criminosas (Orcrims).
Seria imprudente, contudo, menosprezar que parcela considerável do financiamento às ações do terrorismo advém de atividades ilícitas ligadas ao crime organizado, e é inafastável a constatação de que o terrorismo e o crime organizado andam de mãos dadas.
A Europa, a África e os Estados Unidos vivem num constante estado de tensão, em razão de ataques terroristas orquestrados, de difícil detecção, embora dezenas de eventos fatais já tenham sido evitados pelas forças de segurança pública. As nações vitimizadas têm se unido na busca de uma solução que contemple a harmonia entre garantias e liberdades individuais com a necessária mitigação do rol de direitos do cidadão com o fim maior de preservação de vidas, entre eles o direito à privacidade e à livre circulação.
Não é de hoje que o nível de alerta de segurança, em países europeus, se encontra bastante elevado, apesar do visível comprometimento das autoridades locais em patrulhar e assegurar a regularidade de acesso a monumentos, aeroportos, transporte e áreas públicas. São conhecidos, por exemplo, o aporte do parque tecnológico e bélico, o treinamento de forças especiais, as restrições a bagagens e objetos distantes dos proprietários, a fiscalização em áreas aeroportuárias, inclusive com limites para transporte de líquidos, objetos cortantes e outros que gerem combustão, além dos recentes equipamentos que detectam traços de explosivos em roupa.
Tem-se observado que os usos de explosivos e armas longas são uma constante nesses ataques, perpetrados por homens-bomba, treinados e cada vez mais jovens, muitos nacionais dos países vitimizados, o que demonstra uma opção tática das organizações terroristas (ORTs) pela infiltração de seus membros na sociedade, com um forte preparo psicológico para se manterem encobertos e fiéis aos propósitos, ideologia e crenças do movimento.
As ORTs agem por meio de "soldados", com quase nenhuma relevância na estrutura da organização, de forma que a sua perda não gere qualquer impacto na cadeia de comando, e possam ser facilmente substituídos. As suas famílias são indenizadas e mantidas pelo EI, como fazem as Orcrims em relação aos parentes de seus integrantes presos. Instalam-se em países onde o Estado é fraco, deteriorado, com fraturas internas, dissidências e forças policiais e militares desestabilizadas, realocando-os em suas fileiras. Nos “países-alvo", recrutam jovens marginalizados, fragilizados, abertos à propaganda terrorista e à cegueira ideológica, bem como estrangeiros e descendentes que não se adaptaram aos costumes da sociedade local nem se sentem ou não foram a ela integrados.
Essa verdadeira tática de guerrilha, de inserção lenta e gradual de membros das ORTs em solo europeu, africano ou norte-americano, potencializa os seus danos (área afetada e vítimas) quando os "soldados" se suicidam com os explosivos que carregam no corpo, mochilas ou coletes especialmente preparados para tal. Ademais, preservam o sigilo quanto aos responsáveis pela logística, recrutamento e planejamento da ação terrorista.
As políticas públicas e estratégias de prevenção, investigação e repressão não tem sido suficientes para controlar a infiltração e a ação dos membros das ORTs nas nações vitimizadas ou potencialmente alvo de seus planos de busca de poder, de controle territorial, ideológico e religioso, de difusão de medo e caos e de desestabilização do governo e Estado.
Por suposto, uma medida temporária e pontual não resolverá o problema dos atentados terroristas. A sociedade precisa ser educada, diante do novo contexto mundial, a se proteger, informar, observar e lidar com os fatos que se apresentem potencialmente violadores da sua liberdade e direito à vida.
Nesse ponto, o engajamento da sociedade é uma recomendação da eEstratégia global de contraterrorismo da Assembleia-Geral da ONU[5]:
"10. Encoraja a sociedade civil, incluindo organizações não governamentais, para se engajar, conforme o caso (…) através da interação com os Estados-membros e do sistema das Nações Unidas, e incentiva os Estados-membros, a Counter-Terrorism Implementation Task Force (CTITF)[6] e suas entidades a melhorar o engajamento com a sociedade civil …" (tradução livre).
Adicionalmente à cooperação internacional, regional e da sociedade civil, o Estado, permanentemente, deve desenvolver novas técnicas investigativas e incentivar pesquisas para melhoria das tecnologias que possam ser combinadas nas ações antiterroristas. O empenho mundial diferenciado deve ser buscado, em especial, na repressão ao tráfico de drogas e armas, financiamento ao terrorismo[7], lavagem de dinheiro e controle migratório.
No que toca ao financiamento do terrorismo, inúmeros estudos e investigações apontam o tráfico de drogas como a atividade criminosa de maior rentabilidade para as ORTs, sem desconsiderarmos que o Estado Islâmico domina, no Iraque, parte da indústria petrolífera (Mossul) e importantes plantas de processamento de gás natural (Shaar e Baiji). Fontes de energia e mercado de drogas constituem a base da economia do terror do EI.
Os jihadistas usaram o dinheiro do tráfico de drogas para comprar veículos blindados, mísseis superfície-ar e fuzis AK-47 de ex-integrantes das Forças Armadas que abandonaram a Líbia com a deposição do ditador Muammar Gaddafi, falecido em 2011[8].
É fato que os "narco-jihadistas" recebem comissões em dinheiro para permitirem o transporte de drogas nos territórios sob seu domínio (no-man's land) [9]:
"A droga que sai[10] do Brasil em direção à Europa é um dos principais pilares do financiamento de jihadistas e terroristas na África. Documentos da ONU, obtidos pelo Estado com exclusividade, mostram que 15% de cada 50 euros gastos na Europa com cocaína terminam com os jihadistas que controlam um 'pedágio' na região do Sahel (…)
A relação entre a droga sul-americana e o jihadismo é confirmada tanto pela Interpol quanto pela agência antidroga dos EUA, a DEA [Drug Enforcement Administration]. A rota acabou colocando lado a lado improváveis parceiros. Segundo Michael Braun, ex-agente da DEA, cartéis sul-americanos passaram a pagar milhões aos islâmicos para garantir a passagem [da droga].
(…) o dinheiro também serve para 'comprar' a aliança de recrutas com salários e o pagamento de 'heranças' para as famílias de jovens que optaram por atentados suicidas em nome do grupo".
Para a UNODC[11] (United Nations Office on Drugs and Crime), agência da ONU contra drogas e crime, o tráfico de drogas, sem dúvida, concede financiamento para a insurgência e para aqueles que usam a violência terrorista em várias regiões do mundo. Em alguns casos, as drogas têm sido até a moeda usada na prática de atentados terroristas, como foi o caso nos atentados aos quatro trens de Madri, que feriram cerca de 1.800 pessoas e mataram outras 191, em 11 de março de 2004[12].
A ligação entre o crime organizado e o terrorismo, conforme o relatório anual sobre drogas de 2015 da ONU[13], “em que o tráfico de droga parece desempenhar um papel fundamental — representa uma grave ameaça, como enfatizado por recentes resoluções do Conselho de Segurança que exigem esforços redobrados para impedir que os terroristas se beneficiem dos lucros do crime organizado transnacional".
No caso brasileiro, em que pese os esforços das Nações Unidas e as condolências dadas às nações vitimizadas, ainda se faz necessária a aprovação de instrumento legislativo que criminalize o terrorismo, seu planejamento, ações, financiamento, capitalização e suporte logístico. Mais de uma década depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA, e a ratificação de inúmeras convenções internacionais[14] de combate ao terrorismo, pouco se avançou na apreciação de projetos legislativos[15] que se encontram no Congresso Nacional.
Em síntese, a resposta mundial ao terrorismo depende de a) estreitamento da cooperação internacional e regional, b) da participação da sociedade civil, c) de novas tecnologias, d) apuração de técnicas investigativas, e) treinamento de forças especiais de contraterrorismo, f) ênfase na área de inteligência, g) descapitalização das ORT por meio do congelamento de ativos, h) repressão ao tráfico de drogas e armas, à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, i) aperfeiçoamento do controle migratório e j) aprovação de legislação que criminalize os atos das organizações terroristas pelos países integrantes da ONU.
Finalizo este breve ensaio e rendo minhas homenagens às vítimas de tão pesarosos eventos e seus familiares, orando para que essa barbárie se finde um dia, certo de que, por mais que as instituições tenham um longo caminho a trilhar, é o ser humano quem precisa, verdadeira e urgentemente, transcender ao ódio, às diferenças e à ganância por poder e dinheiro, a fim de que se garanta a paz, a tolerância religiosa e cultural, o perdão, o respeito a todos, a integração e a convivência pacífica entre os povos.