“O transporte de arma de fogo em aeronaves comerciais”

19 de novembro de 2014 10:16

III – A JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA

Para elucidar a matéria debatida nesse ensaio, cumpre trazer à baila os casos concretos levados ao judiciário. A jurisprudência abaixo transcrita, julgou caso, ainda na vigência do Decreto da Presidência da República nº. 2.222/97, revogado pelo Decreto nº. 5.123/2004, de um comandante da VARIG que recusou embarcar policiais federais no aeroporto de Porto Velho/RO. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região trancou a ação penal movida contra o piloto por suposto crime de desacato e desobediência, reafirmando sua autoridade na aeronave que pilota:

    

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. COMANDANTE DE AERONAVE. CRIME DE DESACATO E DESOBEDIÊNCIA. RECUSA JUSTIFICADA. CUMPRIMENTO DE NORMA LEGAL. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. AMEAÇA CONFIGURADA. TRANCAMENTO EXCEPCIONAL DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

 

    1. Ao comandante, no âmbito da aeronave que conduz, cabe o exercício do poder de polícia.

    2. Justificável a proibição, pelo comandante, de embarque de policiais portando armas (Decreto nº 2.222/97), mormente não estando eles em diligência policial.

    3. Ausência de justa causa. Ordem concedida para a ação penal[21].

Recentemente, a empresa Gol Transportes Aéreos S/A (VRG LINHAS AÉREAS S.A) foi condenada a pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) de indenização por danos morais causados a um policial militar que foi impedido de embarcar no voo da companhia portando sua arma de fogo, mesmo tendo cumprido todas as determinações previstas em legislações vigentes. A sentença foi proferida pelo juiz de direito João Luiz Rolim Sampaio, titular do 1º Juizado Especial Cível da comarca de Porto Velho (RO) no processo nº. 0100437-91.2009.8.22.0601[22]

 

Na decisão, o magistrado realçou que o Departamento da Polícia Federal está vinculado ao Ministério da Justiça, possuindo a Polícia Federal competência constitucional para exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (art. 144, §1º, inciso III, CR/88), de modo que a autoridade competente para autorizar o transporte de arma de fogo com o passageiro é a referida polícia.

 

Com efeito, é a Polícia Federal a competente para autorizar o embarque de passageiro portando arma de fogo (arts. 1º, 10, 24, 33, da Lei nº. 10.826/2003, 48, incisos II e III, do Decreto nº. 5.123/2004, e 152 e 154 do Decreto nº. 7.168/2010), não competindo a qualquer empresa aérea contestar as autorizações emitidas por posto oficial da PRF, sob pena de praticar conduta ilegal, vexatória e abusiva, afrontando direito legal resguardado àquele que tem o porte do armamento e se submeteu aos procedimentos de cautela e fiscalização.

 

Ano passado (2012), em ação de danos morais movida por passageiros que portavam arma de fogo e tiveram o embarque não autorizado pela empresa TAM Linhas Aéreas S.A., a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal negou provimento ao recurso inominado, restando decidido que:

 

I – Juizados Especiais. Direito Civil e Processual Civil. Transporte aéreo. Passageiro armado. Indenização por dano moral.

    

III – Procedimento de embarque de policiais portando arma de fogo em aeronave comercial para realização de voo doméstico. Polícia federal. Procedimento específico exigido por lei e a que deve se submeter passageiro armado, mesmo que o esteja por prerrogativa do cargo. Medida de segurança inafastável em se tratando de transporte aéreo nacional destinado ao público. Procedimento de segurança para liberação e entrega da arma não finalizado ao tempo de encerramento do check-in. Embarque não autorizado aos passageiros que portavam arma de fogo. Alegação não comprovada de que a companhia aérea deixou de realizar em tempo razoável o serviço necessário ao regular transporte de policiais armados. Afirmativa não confirmada pelo conjunto probatório de que os autores se apresentaram à empresa aérea, no balcão de despacho, com tempo bastante à realização de procedimentos que sabiam indispensáveis ao passageiro armado. Dano extrapatrimonial não configurado[23].

 

A jurisprudência pátria oscila quanto ao pedido de danos morais requerido por passageiros impedidos de embarcar em aeronaves portando armas de fogo, cabendo ao magistrado analisar o caso concreto para melhor decidir.

IV – AS ARMAS DE PRESSÃO E OS ITENS PROIBIDOS

Derradeiramente, resta dúvida quanto às armas de pressão, se seriam ou não consideradas armas de fogo. Nesse sentido, de acordo com a Portaria nº. 36 – Departamento de Material Bélico (DMB), de 09 de dezembro de 1999[24], que aprova as normas que regulam o comércio de armas e munições, as armas de pressão de mola, com calibre igual ou inferior a 6mm não são consideradas armas de fogo, portanto, não necessitariam da guia de tráfego para transporte e deslocamento (art. 16 e 17[25]).

 

No entanto, a ANAC, por meio da Resolução nº. 207, de 22 de novembro de 2011[26], que dispõe sobre os procedimentos de inspeção de segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita nos aeroportos e dá outras providências, atualizou os itens proibidos, abrangendo as armas de pressão por ação de ar e gás comprimido ou por ação de mola, tais como as armas de paintball, airsoft, pistolas e espingardas de tiro a chumbo ou outros materiais.

 

São itens proibidos, nos termos da Resolução nº. 207, de 22 de novembro de 2011:

Sem prejuízo das normas de segurança aplicáveis, os passageiros não poderão transportar para as áreas restritas de segurança nem para a cabine de uma aeronave os seguintes artigos:

a) pistolas, armas de fogo e outros dispositivos que disparem projéteis — dispositivos que podem ou aparentam poder ser utilizados para causar ferimentos graves através do disparo de um projétil, incluindo:

1) armas de fogo de qualquer tipo, tais como pistolas, revólveres, carabinas, espingardas;

2) armas de brinquedo, réplicas ou imitações de armas de fogo que podem ser confundidas com armas verdadeiras;

3) componentes de armas de fogo, excluindo miras telescópicas;

4) armas de pressão por ação de ar e gás comprimido ou por ação de mola, tais como armas de paintball, airsoft, pistolas e espingardas de tiro a chumbo ou outros materiais;

5) pistolas de sinalização e pistolas de partida esportiva;

6) bestas, arcos e flechas;

7) armas de caça submarina, tais como arpões e lanças; e

8) fundas e estilingues;

 

Tal resolução enuncia que a lista de itens proibidos não é exaustiva e pode ser atualizada pela ANAC conforme se julgue necessário. Para garantir a segurança da aviação civil o Agente de Proteção da Aviação Civil (APAC) pode determinar que um item que não conste expressamente da lista é proibido, desde que se enquadre nas definições de uma das categorias descritas, representando um risco para a saúde, segurança ou propriedade quando transportados por via aérea.

 

Isso porque é muito difícil listar todos os artigos perigosos que são proibidos em aeronaves sob quaisquer circunstâncias. Por isso, é essencial que cuidados apropriados sejam exercidos para assegurar que tais artigos não sejam oferecidos para o transporte.

V – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, o conhecimento da legislação que regulamenta o transporte de arma de fogo em aeronaves comerciais reafirma sua importância no cotidiano aeroportuário, revelando-se essencial tanto para auxiliar os comandantes de tais aeronaves, quanto para coibir constrangimentos desnecessários e abuso de autoridade por parte dos passageiros que possuem tal prerrogativa em razão do cargo.

 

Ressalte-se que a ANAC atualizou em 2011 a lista de itens proibidos, já se preparando para os eventos internacionais que o país receberá nos próximos anos, para abranger as armas de pressão por ação de ar e gás comprimido ou por ação de mola, enunciando, ainda, que o rol não é exaustivo e pode ser atualizado conforme se julgue necessário.

 

Ademais, o agente de proteção de aviação civil pode determinar a proibição de um item que não conste expressamente na lista, desde que se enquadre nas definições de uma das categorias descritas.