Operação navalha

25 de fevereiro de 2008 09:50

O empresário Zuleido Veras, dono da Construtora Gautama, desembarcou em Brasília na quarta- feira 20 e foi direto para uma reunião com advogados. Ele soube que o Ministério Público Federal está prestes a apresentar a denúncia contra os 42 indiciados da Operação Navalha. ISTOÉ obteve com advogados a cópia de um relatório com um diagrama que a Divisão de Inteligência da Polícia Federal enviou ao Ministério Público e ao Superior Tribunal de Justiça, sobre irregularidades em contratos públicos com a Gautama.

Com o título de Corrupção no Ministério de Minas e Energia, o diagrama mostra as conexões que levam a um suposto pagamento de uma propina de R$ 120 mil ao ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau para que o programa Luz Para Todos no Piauí fosse entregue à Gautama. Além dele, um novo personagem faz parte da rede detectada pela PF: o governador do Piauí, Wellington Dias, do PT. Homem de confiança da ministra Dilma Rousseff, o nome do presidente interino da Eletrobrás, Valter Cardeal, também é mencionado no relatório. Não há nada que dê sustentação às denúncias, insiste Zuleido Veras. Está caindo tudo.

As investigações da PF sobre corrupção no programa Luz Para Todos ganham força em seu conjunto, quando expostas em um quadro com todas as etapas já apuradas. São trechos de escutas telefônicas, fotografias, contradições de depoimentos e uma série de documentos apreendidos.

O diagrama expõe a agenda de Zuleido Veras nos dias que precederam o suposto pagamento da propina. Em 13 de março, quando a diretora comercial da Gautama, Maria de Fátima Palmeira, entrega um envelope pardo ao ministro Silas, a agenda de Zuleido registra o telefonema que teria marcado o encontro: Falar com ministro Silas. Tem ainda a anotação: Falar com Sérgio sobre MME.

Segundo a PF, é uma referência ao lobista Sérgio Sá, da Engevix, que intermediou as negociações entre a Gautama e o Ministério. A agenda de Zuleido registra ainda: Ver nossos projetos no PAC. Há também registro de uma conversa com Piauylino. Trata-se do ex-deputado pernambucano Luiz Piauhylino. A PF investiga um suposto pagamento de propina a Piauhylino.

O nome dele também aparece numa lista de parlamentares que receberam presentes da empreiteira. Há ainda anotação de contato com o deputado José Carlos Araújo, do PR baiano. Bem depois da data da anotação da agenda, Araújo acabou sendo o relator do processo que inocentou na Câmara o deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), investigado em razão de suas ligações com a Gautama.

Além da agenda de Zuleido, a PF recolheu a agenda do diretor financeiro da empresa, Gil Jacó Carvalho Santos. É ali que aparece a anotação que, para a Polícia Federal, é uma clara referência ao pagamento de propina a Silas Rondeau. No dia 6 de março, uma semana antes da entrega do envelope no Ministério, está registrado: 120.000 MINISTRO  BSB. Procurado, o advogado do diretor financeiro, Frederico Donatti Barbosa, não quis se pronunciar.

O diagrama também cruza outros documentos com as escutas telefônicas que foram feitas. No dia 9 de março, Zuleido já revelava numa das conversas grampeadas que estavam indo cento e vinte, para entregar a Ivo.

A PF assegura que se trata de Ivo Almeida Costa, assessor do ministro. É uma conversa com Tereza Lima, funcionária da Gautama em Brasília. Zuleido pergunta a Tereza se ela sabe quem é Ivo. Lá do Ministério, responde ela. Zuleido a repreende: Ok, mas não precisava dizer de onde era. Foi Tereza quem pegou no Aeroporto de Brasília o envelope entregue no Ministério, com um funcionário da Gautama chamado Florêncio. Quem levou o envelope ao Ministério foi Maria de Fátima Palmeira. Lá, ela foi recebida por Ivo, e participou de uma reunião com ele, Sérgio Sá e o então ministro Silas Rondeau. Nos depoimentos que prestaram ao Superior Tribunal de Justiça, que conduz o inquérito, Rondeau e Ivo divergem.

O ex-ministro diz que não há registro de visita de Zuleido a seu gabinete. Ivo, por sua vez, confirma que Zuleido esteve uma vez com Rondeau, junto com o lobista Sérgio Sá. Procurado por ISTOÉ, o advogado do ex-ministro, José Gerardo Grossi, não se pronunciou.

A agenda de Gil traz outras referências para a Polícia Federal sobre como funcionava o esquema de corrupção envolvendo as empresas de Zuleido. Na mesma página em que está anotada a referência ao ministro, aparece uma anotação de destinação de R$ 47 mil para Márcio  Mauá. Trata- se, ainda segundo a PF, de uma referência ao ex-vice-prefeito da cidade paulista de Mauá Márcio Chaves, do PT, que também foi responsável pela empresa Saneamento Básico do Município de Mauá  Sama.

A propina estaria ligada a um contrato irregular de esgoto sanitário no valor de R$ 1,6 bilhão entre a prefeitura e a empresa Ecosama, pertencente a Zuleido, num prazo de 30 anos. O Ministério Público de São Paulo já pediu anulação do contrato na Justiça. Márcio Chaves é amigo pessoal do exministro José Dirceu. Quando Márcio teve a candidatura cassada em 2005, por participar irregularmente de uma festa durante a eleição, o então chefe da Casa Civil fez uma defesa pública em favor do amigo. Seria uma grande injustiça política não termos uma segunda eleição, dizia Dirceu.

O governador Wellington Dias aparece com destaque no diagrama produzido pela PF. Dias e seu ex-vice Osmar Júnior, hoje deputado pelo PCdoB piauiense, surgem no quadro da PF simbolizados como homenzinhos verdes. É o mesmo tipo de desenho que identifica o ex-ministro Rondeau. Dias é citado 17 vezes no relatório de inteligência da PF sobre o Luz Para Todos, precedido por Rondeau, mencionado 18 vezes. Eu lamento profundamente ver meu nome nisto, diz o governador. Nunca vi o Zuleido na minha vida. Ele admite, porém, ter tido reunião no Ministério com a participação de Sérgio Sá. Eu acho que a Gautama mergulhou na licitação apostando na tradição que havia no Brasil de ganhar reajuste no decorrer das obras, diz o governador. Até hoje a Gautama nos atrapalha.

De fato, na semana passada, a Gautama conseguiu liminar na Justiça impedindo que a Chesf faça obras do Luz Para Todos no Piauí.

De acordo com a seqüência investigada pela PF, os acertos no Piauí teriam começado ao meio-dia da quinta-feira 25 de janeiro de 2007, quando Rondeau foi a Teresina anunciar a liberação de R$ 1,7 bilhão em geração e transmissão de energia no Estado. O Piauí é o primeiro Estado a receber recursos do PAC, dizia Silas Rondeau. Nesta visita, estavam ao lado de Silas o presidente da Companhia Energética do Piauí (Cepisa), Jorge Targa, o diretor regional do Luz para Todos, José Ribamar Santana, e Valter Cardeal, da Eletrobrás.

Quem intermediou todos os contatos da Gautama com o governo foi o lobista Sérgio Sá, da Engevix. Contemplada com trechos da Rodovia Norte-Sul, a Engevix continuou recebendo dinheiro do governo federal após a Operação Navalha, no ano passado.

Foi Sérgio Sá, com o intuito de obter vantagem para a organização criminosa, diz a PF, quem intermediou contatos entre o governador Wellington, o vice Osmar Júnior, Jorge Targa, Silas e Zuleido. O Sérgio não recebeu e nem ofereceu vantagem econômica para ninguém, diz o advogado Irineu de Oliveira, que o defende. Ele apenas possibilitou o relacionamento do Zuleido com o Ministério de Minas e Energia. Estes contatos do lobista com o governador e o ministro começaram a ser feitos em 2006, após encontro com o presidente Lula, numa visita ao Estado.

A partir dali, entende a PF, a quadrilha começou a discutir uma fórmula para liberar recursos mais rápido e publicar editais que não fossem barrados pelo TCU. A PF transcreve assim uma conversa gravada no dia 12 de julho de 2006: Sérgio diz que foi tudo bem. Junto com Wellington, Osmar e Jorge, conversaram com Silas e estava tudo encaminhado na Eletrobrás com relação ao resto do dinheiro para o Luz Para Todos e conversaram bastante sobre a questão dos editais.

Em uma das escutas, gravada dia 29 de agosto de 2006, Sérgio diz que vai se encontrar com Osmar no Palácio da Alvorada, e combina com Zuleido Veras que retornaria a ligação após o encontro.

O relatório da PF diz que Sérgio Sá auxiliou Zuleido a também resolver junto ao Ministério de Minas e Energia e à Eletrobrás um impasse que estaria dificultando a liberação de recursos para a Gautama. As escutas mostram Sérgio tentando agendar encontros com Valter Cardeal, da Eletrobrás, para discutir interesses do esquema. Nunca vi esse Sérgio Sá na vida e nunca me encontrei com Zuleido Veras, diz Cardeal.

Como diretor de engenharia da Eletrobrás, Cardeal negou adiantamento de dinheiro da Conta de Desenvolvimento Energético à Cepisa, para repassar à Gautama. Ele diz que nenhum centavo da Eletrobrás foi repassado a Zuleido Veras.

A Gautama pagava propina dentro e fora do Ministério de Minas e Energia. As gravações da PF mostram que o lobista Sérgio também levava parcela do dinheiro distribuído por Zuleido. Em uma das conversas gravadas dia 9 de março do ano passado, Zuleido diz que havia tirado 20 (R$ 20 mil) de Sérgio para completar os 120 (R$ 120 mil) que seriam entregues a Tereza Lima, da Gautama, e Ivo, para darem ao ministro.

Na mesma conversa, Tereza diz que falou com Ivo e este disse que só poderia pegar a encomenda no dia 13, dia em que o dinheiro teria sido entregue ao ministro. Na agenda de Ivo consta um contato dele com a funcionária Tereza no mesmo dia 13. A agenda de Gil Jacó descreve outros supostos pagamentos. O ex-presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), o lobista Roberto Figueiredo, preso na Operação Navalha, aparece ao lado de uma cifra de R$ 45 mil. Ele foi secretário do Tesouro no governo de Fernando Collor. O advogado de Figueiredo, José Eduardo Rangel de Alckmin, não se pronunciou.

A denúncia da Operação Navalha está pronta há mais de seis meses. Mas na quinta- feira 21 continuava no computador da subprocuradora da República Lindôra Araújo. O procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, já demonstrou seu desconforto com tanta demora. A subprocuradora Lindôra promete apresentar sua peça logo. A denúncia está pronta e espero apresentá-la em uma semana, garante.