Opinião: “Duas coincidências que exigem atenção”

19 de setembro de 2007 11:12

Depois do protagonismo do PT neste tipo de operação, seguido agora da investigação sobre como se deu o mensalão do PSDB de Minas Gerais, objeto da próxima denúncia, que promete ser arrasadora, do Procurador Geral da República, os dados da realidade conduzem à existência do risco de gestação de um novo esquema, desta vez exclusivo do PMDB.

Já existe a denúncia – a quarta – contra Renan Calheiros, ainda não investigada no Conselho de Ética, feita pelo ex-genro de um lobista amigo do senador (outro), pai de assessora do presidente do Senado.

O depoimento do ex-genro à polícia revela atuação de Calheiros junto a ministérios capitaneados pelo PMDB. É do conhecimento público o que os partidos políticos querem com esta ocupação da máquina pública, por que brigam pelos cargos: o exercício do poder de nomear e de canalizar recursos públicos para as finalidades de sua escolha pessoal. Na ação de Renan, foram citados o Ministério da Previdência, conduzido à época por Romero Jucá, um dos principais integrantes da atual tropa de choque de Calheiros, e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), conduzida por Paulo Lustosa, uma indicação do senador para mais este posto onde o partido estabeleceu seus comandos.

Este caso mostra que o PMDB vem urdindo um esquema seu, independente de outros partidos governistas, e talvez seja a razão de ter aparecido tão pouco no mensalão do PT. Só o deputado José Borba, que foi líder do partido, expôs-se às denúncias de 2005, para surpresa geral.

Agora, uma segunda coincidência ocorre no mesmo local do crime anterior (ECT) e com a mesma estrutura de canalização de verbas (agências de publicidade), deixando inúmeras dúvidas em torno de uma licitação para escolha de agências de propaganda que servirão à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Três agências vencedoras da licitação dos Correios há dois meses, aberta por volta de julho, foram desclassificadas na análise dos recursos das perdedoras um mês depois, quando três outras diferentes agências sairam vencedoras. Entre estas, está a agência que fez a campanha do ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), em Minas Gerais, a autoridade do governo que tem ascendência sobre os Correios.

Minas Gerais, agência de propaganda da campanha eleitoral, Correios e PMDB: personagens que coincidem em gênero, número e grau com os do mensalão do PT. Só muda o nome da agência de publicidade. À primeira vista, parece estar o PMDB abusando da sorte de ter escapado até este momento da devastação nos partidos. O presidente do PMDB, deputado Michel Temer, acha exagero enxergar, nas duas coincidências, riscos de mensalão. Para ele, mensalão é o pagamento mensal a parlamentares para que prestem determinados serviços ao governo, um conceito restrito, que já foi derrubado há muito tempo pela CPI dos Correios, pela Polícia Federal, a Procuradoria Geral e o Supremo Tribunal Federal.

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Convém ao PMDB não abusar da sorte
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Mensalão está há muito definido como o sistema de canalização de dinheiro público, via agências de publicidade ou diretamente, para políticos e partidos, sejam verbas para campanhas eleitorais ou para uso pessoal do contemplado.

“Confesso que estou afastado, não tenho a menor relação com os diretores que estão nos Correios, não conheço esse processo licitatório, acho que vai dar demanda judicial, e é bom que dê, para esclarecer este assunto e evitar ilações mais do que naturais que têm sido feitas”, afirma Temer.

Quanto à denúncia contra Renan por manipulação de verbas de ministérios comandados pelo PMDB, Temer assinala que ela se limita à Funasa e ao Ministério da Previdência, no passado, e o então ministro, Romero Jucá, foi até afastado, embora tenha ganho a função de líder do governo no Senado.

A rigor, o atual presidente do PMDB, à época citado na denúncia, não estava ainda, como agora, na base aliada do presidente Lula. E com a perda de substância política do presidente do Senado, Renan Calheiros, e da tropa pemedebista que o ajudou a se salvar, a importância de Temer e do grupo da Câmara, como interlocutores do governo no PMDB, que já vinha crescendo desde a eleição para a presidência do partido – vencendo exatamente os senadores — chegou agora ao ápice.

Curioso que a derrocada de Renan não tenha atingido o PMDB mais do que o partido já é naturalmente desacreditado. Os que integraram seu batalhão de defesa – Wellington Salgado, Leomar Quintanilha, Almeida Lima, Romero Jucá – , desgastaram-se pessoalmente tanto quanto se desgastaram os petistas que também salvaram Calheiros. Nas suas piores performances, Salgado, por exemplo, não era visto como um senador pemedebista, mas como um senador suplente, a quem interessava salvar a própria pele, mantendo-se no cargo, que ocupa por obra e graça de Renan, que indicou o ministro Hélio Costa, o titular, para o Ministério das Comunicações.

O mundo é redondo, inclusive o do PMDB, mas Michel Temer diz que a cúpula partidária manteve-se discreta durante todo o processo porque este foi realmente personalizado. “Com relação a Renan, tudo o que pedimos foi que fosse feito um julgamento justo, nada mais”, disse Temer.

O presidente do PMDB deve ter razão. Parlamentares que foram aos estados após a absolvição do presidente do Senado e voltaram esta semana disseram ter visto muitas pedras serem atiradas em Renan, mas nenhuma ao PMDB.

Exatamente porque vem escapando de todas é que o PMDB deveria dar atenção especial aos elementos que acendem sinais de perigo nas capitanias do partido no governo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras