Opinião: “Exorbitância de foro especial”

13 de setembro de 2007 14:49

Para justificar essa ofensiva contra a instituição, os deputados mineiros invocaram a necessidade de reorganizá-la, a fim de submeter os promotores ao “controle social”. Em termos práticos, contudo, a lei mineira inibe a atuação moralizadora desses profissionais do direito, principalmente no interior, onde o fisiologismo e o clientelismo até hoje prevalecem.

Sobre as autoridades que irão gozar do privilégio, os parlamentares se abstiveram de justificativas. Até agora, apenas o governador do Estado e os presidentes do Tribunal de Justiça e da própria Assembléia Legislativa de Minas Gerais tinham direito a foro privilegiado. Além dos deputados estaduais, os secretários de Estado, dirigentes de autarquias e prefeitos, entre outros detentores de cargos públicos, só poderão ser processados pelo procurador-geral de Justiça.

A ofensiva dos políticos mineiros contra o MP é antiga. Eles já haviam tentado desfigurar a instituição em outras oportunidades, não tendo obtido sucesso por causa da pressão da opinião pública. A ampliação do número de beneficiários do direito a foro privilegiado é só uma das aberrações da lei aprovada pela Assembléia mineira. Para cercear a atuação do MP, ela também prevê que promotores paguem de seu bolso as custas processuais e os honorários advocatícios nas causas em que forem derrotados.

A lei, para cuja aprovação contribuíram flagrantes irregularidades procedimentais e regimentais, limita ainda o poder de investigação e realização de diligências do MP e o impede de promover a fiscalização de demonstrativos financeiros de empresas privadas. São medidas absurdas que foram concebidas para inviabilizar a atuação do órgão encarregado pela Constituição de zelar pela probidade administrativa em todos os níveis de governo.

“O risco de convulsão institucional, por causa do vilipêndio aos princípios da autonomia e independência do MP, é patente”, diz o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. “É uma aventura legislativa, manifestadamente inconstitucional, que beneficia uma casta de privilegiados”, endossa o presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, Rodrigo Pinho. Em resposta, os deputados mineiros alegaram que se inspiraram em leis semelhantes que estariam em vigor em outros Estados. Mas o argumento é capcioso, pois, em 1995, o STF julgou inconstitucional uma lei semelhante aprovada pela Assembléia Legislativa paulista.

Não pode passar sem censura, nessa “aventura legislativa” dos deputados estaduais mineiros, o comportamento ambíguo do governador Aécio Neves. Primeiro, ele vetou a lei. Mas, depois, ele, que nunca sofreu uma única derrota na Assembléia, desde que assumiu o poder, liberou a bancada situacionista para derrubar o veto, sob a alegação de que, por ser um “democrata”, curvar-se-ia à vontade da maioria. Diante da repercussão negativa de sua atitude, Aécio se recusou a promulgar a lei, o que foi feito pelo presidente da Assembléia. Trocando em miúdos, o governador, que não esconde a pretensão de se candidatar à Presidência da República em 2010, parece ter feito mero jogo de cena para a sua base de apoio parlamentar.

Sempre defendemos a concessão do direito a foro privilegiado às altas autoridades dos Três Poderes. É uma medida sensata, que evita a exploração demagógica e eleiçoeira de denúncias formuladas por promotores simpatizantes de determinados partidos, com o objetivo de acarretar dificuldades para os governantes e criar fatos políticos para a oposição. Mas, evidentemente, esse direito só deve ser concedido sob determinadas condições e a um número muito pequeno de dirigentes. O que a Assembléia mineira aprovou é a desmoralização do instituto jurídico do foro privilegiado e, pior, o desfiguramento do MP. Vamos esperar que o STF acolha a ação impetrada pela Procuradoria-Geral da República, impedindo que isso aconteça.

Leia em Estadão