Papéis reforçam suspeita de evasão e lavagem

18 de outubro de 2007 09:46

A situação de diretores e sócios da Mude, uma das empresas investigadas pela Operação Persona, pode se complicar ainda mais depois da análise do material apreendido pela Polícia Federal (PF) e pela Receita Federal na terça-feira. Entre os documentos apreendidos, estão extratos bancários de contas no exterior, ações ao portador em nome de offshores com sede em paraísos fiscais e até procurações para livre movimentação de recursos fora do país.

Para investigadores do caso, os documentos reforçam os indícios de fraudes detectados na primeira fase da operação e aumentam ainda mais as suspeitas de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

A Mude, distribuidora de produtos de informática e telecomunicações, é acusada de se associar à multinacional americana Cisco Systems para montar um esquema de importações fraudulentas dos Estados Unidos para o Brasil.

Somente nos últimos cinco anos, as fraudes resultaram em um prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, conforme cálculos da Receita.

Entre os 40 presos na Operação Persona, 17 são vinculados à Mude. Nessa lista, constam o presidente da distribuidora, Moacir Álvaro Sampaio, e oito diretores e sócios. Também figuram entre os presos outros oito funcionários da empresa.

A documentação apreendida complementa o que a investigação vinha mostrando afirmou ao GLOBO uma das autoridades que acompanham de perto a análise dos papéis.

Os documentos considerados mais reveladores até o momento foram apreendidos nas residências de diretores da Mude em São Paulo. Os papéis foram lacrados e, com os demais documentos recolhidos na operação, abarrotam uma sala de 60 metros quadrados da Superintendência da PF em São Paulo.

Investigadores vão seguir o fluxo do dinheiro
Policiais e fiscais já tinham indícios da movimentação financeira de integrantes do grupo no exterior. Mas a quantidade de informações obtidas na primeira análise do material foi considerada surpreendente. A partir de agora, a PF e a Receita Federal deverão ampliar as investigações sobre remessas ilegais de recursos para o exterior e lavagem de dinheiro. Por uma questão estratégica, fatos relacionados a esses crimes foram deixados em segundo plano na primeira etapa das investigações. Os investigadores preferiram concentrar a apuração nos indícios de sonegação, corrupção e importação ilegal. Agora, segundo um dos investigadores, será o momento de seguir o fluxo do dinheiro obtido a partir das supostas importações fraudulentas.

Entre os papéis apreendidos, a Receita e a PF descobriram também documentos que realçam a suposta sociedade entre a Mude e a Cisco.

São relatórios em que a Mude informa a Cisco sobre a posição dos negócios das duas empresas. Os papéis, conforme informou um dos investigadores, não deixam dúvidas sobre a suposta atuação conjunta da Cisco e da Mude.

Em nota divulgada ontem à tarde, a assessoria de imprensa da Mude disse que a empresa está colaborando plenamente com as investigações , e que seus dirigentes estão à disposição da PF para depoimentos e informações .

A empresa, fornecedora de órgãos públicos, informou ainda que continua suas atividades parcialmente em seu escritório de Alphaville (em São Paulo) e está trabalhando para a retomada total de seus serviços .

Salvador: porta para fraude
Executivo detalha esquema em pólo
Amélia Vieira e Ricardo Ribeiro*
SALVADOR E ILHÉUS.

Vinte e cinco toneladas de mercadorias pertencentes a 17 empresas, entre elas a Cisco Systems, estão retidas na alfândega no Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, em Salvador. O valor oficialmente declarado dos produtos é de US$ 14 milhões. Porém, o montante deve ser maior, visto que ingressavam no país num esquema fraudulento em que, entre outras irregularidades, havia subfaturamento.

O material foi apreendido anteontem pela Operação Persona.

Salvador era a principal porta de entrada dos equipamentos fraudados, a maior parte deles de alta tecnologia para redes corporativas, internet e telecomunicações.

João Vicente Velloso, inspetor-chefe da Alfândega do aeroporto, estima que 80% do material vinham por via aérea, em vôos cargueiros semanais vindos dos Estados Unidos.

O restante entrava por portos.

Os produtos retidos na operação ingressaram no país esta semana.

O presidente do Sindicato das Indústrias de Eletroeletrônicos de Ilhéus e Itabuna (Sinec), coronel Gentil Pires, confirmou que todas as empresas do Pólo de Informática de Ilhéus importam mercadorias por intermédio de escritórios de Miami. Segundo ele, esse é um procedimento normal, embora a Polícia Federal suspeite de fraude.

Um executivo do pólo contou, sob condição de anonimato, como funcionaria o esquema de fraude. O escritório de Miami compraria, por exemplo, um componente por R$ 50 e o venderia para a indústriacliente no Brasil por R$ 25.

A diferença de preço é paga, como afirma o executivo, por baixo do pano , com recursos gerados a partir da venda de produtos sem nota fiscal.

O esquema permitiria que as empresas camuflassem parte dos valores das operações e, com isso, recolhessem menos impostos. De acordo com essa fonte, seriam três os crimes: subfaturamento, venda sem nota fiscal e remessa ilegal de dinheiro para o exterior.

Com faturamento de R$ 1,9 bilhão em 2006, as 57 indústrias no pólo de Ilhéus abastecem 20% dos computadores comercializados no Brasil.

(*) Da Agência A Tarde