PF afirma ter “plano B” se houver greve na Copa

26 de maio de 2014 18:12

Em sua primeira entrevista nos três anos e quatro meses em que ocupa o posto de diretor-geral da Polícia Federal (PF), o delegado Leandro Daiello Coimbra garante que a greve nacional dos servidores prevista para ter início em 1º de junho não prejudicará a atuação da instituição na Copa do Mundo: "Mais de 60% dos que vão trabalhar na Copa já estão recrutados. Um efetivo de 6.500 policiais", afirma.

Segundo Coimbra, os convocados para atuar na Copa do Mundo já receberam parte das diárias para transporte e hospedagem. "Quem foi recrutado já teve pago parte do benefício para trabalhar", esclarece. Por isso, segundo ele, os agentes destacados para o evento esportivo não poderão deixar de trabalhar, sob risco de receberem sanções administrativas e, em casos extremos, de sofrerem processos judiciais na esfera civil.

Em entrevista exclusiva ao Valor, o diretor-geral da PF também negou relação entre ações policiais ostensivas – como a operação Lava-Jato, deflagrada em março – e o período eleitoral: "Não há como definir a data [da deflagração de uma operação]. Coimbra disse também que a PF tem independência para investigar até mesmo colegas de partido da presidente da República, caso isso seja necessário: "Se comprovada a existência de fato criminoso, nós vamos buscar a autoria", garante.

Daiello falou ao Valor em seu gabinete no 9º andar do edifício-sede da Polícia Federal, em Brasília. Gaúcho de Porto Alegre e torcedor fanático do Grêmio, o diretor-geral da PF tem sobre sua escrivaninha uma garrafa térmica em forma de fuzil da Companhia Brasileira de Cartuchos. A seguir, a entrevista:

Valor: Haverá greve de policiais federais durante a Copa do Mundo?
Leandro Daiello Coimbra: Isso não é uma decisão da direção-geral. Entretanto o que a gente pode dizer é que, como em todo planejamento de uma ação policial, nós temos planos alternativos e planos de contingência. Mas não acreditamos que isso aconteça [a greve] porque sabemos do compromisso dos policiais com os grandes eventos.

Valor: O senhor tem um plano B, então?
Leandro Daiello Coimbra: Temos planos para toda e qualquer situação de contingência de incidentes de greves de qualquer organização.

Valor: Outras greves de policiais federais já foram realizadas e nenhuma obteve adesão maciça. O sr. trabalha com a expectativa de que isso se repita este ano?
Leandro Daiello Coimbra: Independentemente disso nós já temos uma liminar do STJ [Superior Tribunal de Justiça] proibindo a greve da Polícia Federal durante o período [da Copa].

Valor: E como funcionará "o plano B" e outras alternativas que o senhor citou em caso de haver mesmo uma greve?
Leandro Daiello Coimbra: São sigilosos. Mas não seria um plano B. Nós temos várias ações para enfrentar situações excepcionais para serem cumpridos protocolos.

Valor: Para dar conta de falta de efetivo, por exemplo?
Leandro Daiello Coimbra: Falta de efetivo, falta de equipamentos, incidentes. Tudo isso está planejado, treinado e preparado.

Valor: Mas como é isso?
Leandro Daiello Coimbra: Mais de 60% dos policiais que vão trabalhar na Copa já estão recrutados. E já estão se movimentando. E isso é importante. É a maior operação de segurança em que a Polícia Federal já se envolveu.

Valor: E vai ter um nome, como é comum em operações?
Leandro Daiello Coimbra: Não.

Valor: Podemos chamar de "Operação Copa do Mundo"?
Leandro Daiello Coimbra: Sim. São mais de 6.500 policiais diretamente envolvidos no evento.

Valor: E o sr. disse que eles já estão recebendo pelos serviços
Leandro Daiello Coimbra: Sim. A diária é paga antecipadamente. Já foram compradas passagens, providenciado o transporte.

Valor: Então é uma estratégia para evitar adesão à greve?
Leandro Daiello Coimbra: É que nós tentamos pagar o mais brevemente as diárias para que o servidor possa reservar um hotel, se preparar com mais tranquilidade. Mesmo porque é uma missão longa que vai exigir uma dedicação muito forte e especial deles.

Valor: Está havendo uma ampla mobilização de servidores da PF, que cobram reajuste salarial e estruturação para as carreiras. Nas redes sociais fala-se em crise na PF. Há uma crise institucional?
Leandro Daiello Coimbra: Eu entrei na Polícia Federal há 20 anos. Desde aquela época que ouço falar em crise.

Valor: Mas o sr. reconhece haver uma crise institucional?
Leandro Daiello Coimbra: Não há crise alguma. O que existe e sempre vai existir são divergências de opiniões, de pontos de vista. Isso é natural em qualquer instituição. Se houvesse uma crise não estaríamos trabalhando com o atual nível de organização, de dedicação. É só você observar a qualidade das nossas ações. Isso [a crise] não é verdade.

Valor: E como foi o treinamento, a preparação dos policiais federais para a Copa?
Leandro Daiello Coimbra: Isso é uma coisa interessante. Nos perguntam se estamos preparados. Nós estamos há cinco anos preparados. Tanto no que se refere a planejar, a comprar equipamentos e a treinar servidores. Nesses cinco anos nós treinamos, adquirimos e testamos equipamentos. A Polícia Federal está pronta. A Copa já começou. Desde sistemas mais modernos de controle migratório à aquisição de armamentos e veículos para o grande evento.

Valor: E qual será a atribuição da Polícia Federal na Copa?
Leandro Daiello Coimbra: Eu focaria em duas grandes linhas. Seriam as que estamos priorizando sem, claro, desmerecer outras também importantes. Mas seria a segurança das autoridades e das delegações e a imigração.

Valor: E houve algum treinamento dos agentes policiais brasileiros em cooperação com outras polícias por ocasião da Copa? Por exemplo, a dos Estados Unidos, que tem experiência no tema?
Leandro Daiello Coimbra: O treinamento em parceria com outras polícias, tanto no que se refere a uma questão de abordagem de grupos especiais quanto à inteligência, são constantes. O que houve é que nós intensificamos [esse treinamento] com várias polícias no período que precede a Copa, nos últimos cinco anos.

Valor: Já com enfoque para a Copa?
Leandro Daiello Coimbra: Inclusive.

Valor: E com que polícias isso aconteceu?
Leandro Daiello Coimbra: São várias as polícias com que temos parcerias antigas. Americana, italiana, francesa, com a da Espanha e a inglesa também. Não é de hoje que realizamos parcerias para treinamento e formação. E inclusive recebemos policiais de outros países que passam por cursos ministrados na Academia Nacional da Polícia Federal. Treinamentos como os que exigem atuação de força especializada, como o nosso COT [Comando de Operações Táticas].

Valor: Como será a atuação da PF no desenvolvimento das ações que requerem inteligência?
Leandro Daiello Coimbra: Quando a gente fala em inteligência, nós temos de reconhecer que o mundo de hoje é digital. Já estamos distribuindo para os servidores oito mil ultrabooks. A ideia é que todo policial tenha uma capacidade digital para ter a informação, cruzar a informação e produzir a informação. Através disso e de um sistema de comunicação cujo desenvolvimento está em andamento nós – é claro – temos a capacidade de dados. Temos projetos desenvolvidos internamente. Eu diria que nós temos a capacidade de colher dados de um modo automático dentro do sistema chamado Sintepol, que é o Sistema Integrado de Polícia e do módulo chamado Sinapse, que é um sistema que busca, cruza e filtra dados.

Valor: Qual a finalidade do Sinapse e como ele funciona?
Leandro Daiello Coimbra: Ele cruza dados e faz uma varredura em vários bancos de dados policiais e outros bancos de dados conveniados com a Polícia Federal. Mas na verdade pensamos um pouco mais longe. Hoje nós temos para a Copa um centro com policiais para atender a todas as seleções, todas as delegações. E os países convidados estarão no Brasil trabalhando conjuntamente com policiais federais e trocando informações on line, no tempo real. Cada país enviará sete policiais. Três ficam em um centro de comando que funciona como unidade de inteligência e quatro ficam uniformizados nos estádios. Tenho hoje a capacidade de verificar um nome e saber se ele virá para a Copa, onde ele vai ficar e o que tem de informação de origem no país dele que pode caracterizá-lo como personagem de risco ou não para o evento.

Valor: O FBI está mesmo colaborando com a Polícia Federal brasileira no que diz respeito ao compartilhamento de informações sobre perfis de criminosos e terroristas?
Leandro Daiello Coimbra: Sim, mas não é uma colaboração restrita ao FBI. São as polícias do mundo. Nós trocamos informações com todas as polícias do mundo.

Valor: Mas me refiro especificamente ao sistema americano, do FBI.
Leandro Daiello Coimbra: Inclusive com os americanos. Também trocamos informações com os alemães, italianos e franceses. E inclusive com países cujas seleções não se classificaram para disputar a Copa no Brasil. Nós estamos cruzando esses dados para ter a informação de inteligência consistente para atuarmos na Copa.

Valor: Mas os países que mantêm banco de dados atualizados são Estados Unidos, Inglaterra e Israel.
Leandro Daiello Coimbra: Eu não afirmaria que são eles que detêm essas informações. Mas tenha certeza de que estamos trabalhando com eles também. Com todos eles temos acordos e protocolos de ação e execução.

Valor: A questão do terrorismo é uma preocupação manifesta, até mesmo pela extensão das fronteiras secas do Brasil. Não há tradição de terrorismo no Brasil. Como a PF vai lidar com o assunto?
Leandro Daiello Coimbra: Nós não temos a tradição. Entretanto a Polícia Federal tem uma área específica que acompanha diariamente todo o risco potencial. E se houver iminência de risco nós vamos agir.

Valor: Que área é essa?
Leandro Daiello Coimbra: É uma área específica instalada na diretoria de inteligência.

Valor: E essa área também foi preparada para ações de contraterrorismo?
Leandro Daiello Coimbra: Todas as áreas da Polícia Federal foram modernizadas e preparadas nesses últimos cinco anos para o grande evento e também para o dia seguinte. Porque temos de pensar que após a Copa nós contaremos com tudo o que adquirimos: novos equipamentos, treinamento dos policiais. Isso é um legado para a organização. Equipamento "top" de linha.

Valor: Qual o total de recursos liberados pelo governo federal para a Polícia Federal atuar na Copa?
Leandro Daiello Coimbra: São R$ 90 milhões empenhados para aquisição de equipamentos, treinamento, materiais e dispositivos para grupos específicos, além da aquisição de veículos blindados e embarcações.

Valor: O senhor pode detalhar um pouco a natureza desses equipamentos e materiais adquiridos?
Leandro Daiello Coimbra: Sistemas de inteligência, equipamentos antibomba. Também modernizamos o comando de operações táticas, adquirimos viaturas novas e específicas para o transporte desses grupos. E tem também softwares, muitos dos quais nós mesmos desenvolvemos.

Valor: O senhor não respondeu sobre a questão das fronteiras. É apontada como estratégica. E os governos do país historicamente nunca demonstraram preocupação em vigiar, controlar as fronteiras secas. Como atacar esse problema?
Leandro Daiello Coimbra: Nós temos duas perspectivas bem claras. Uma é o reforço na fronteira, que foi feito e está se fazendo. E estamos reformando e construindo praticamente todas as delegacias de fronteira. Esse processo começou há três anos. E na região Norte conseguimos inaugurar as superintendências do Amapá, do Acre, Roraima. Manaus foi reformada. Faltam ainda o Pará e Rondônia. Então nós reforçamos a presença física, mas a estratégia correta de controle de fronteira é informação. Eu preciso ter policiais nos países vizinhos que troquem informações e saibam o que está acontecendo em termos de crime. Há presença de policiais brasileiros nas representações desses países. Isso já nos possibilitou executar uma operação na Espanha em que resgatamos brasileiras mantidas ilegalmente. Nos permitiu levar adiante ação controlada de entrega de drogas com a polícia italiana. E diversas outras operações. Essas ações são constantes, rotineiras. A cooperação internacional já está incorporada ao nosso dia-a-dia. E eu posso dizer que vi essa mudança. Quando eu vim para Brasília pela primeira vez para trabalhar com operações, conduzir uma operação internacional era algo raro e excepcional. Hoje é praticamente constante. Um policial nosso que está na Espanha, por exemplo, liga e nós executamos a operação com naturalidade.

Valor: Como o senhor avalia as operações realizadas em período eleitoral, como foi o caso da Lava-Jato [ação deflagrada contra transações ilegais de câmbio e desvio de dinheiro público que chegou a levar à prisão o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef e culminou na desfiliação do deputado André Vargas (sem partido-PR) do PT e em sua renúncia à vice-presidência da Câmara dos Deputados. Teve seu prosseguimento suspenso temporariamente por decisão liminar do ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal (STF), que também determinou a soltura de Costa]?
Leandro Daiello Coimbra: Existem 600 operações em andamento neste momento em que converso com você. Mas temos de explicar para as pessoas que quem define o horário da execução, da deflagração da ação policial, não sou eu ou o policial que a comanda. É o momento apropriado. Quando tem prova suficiente para uma busca ou quando eu preciso fazer uma busca para colher uma prova específica. Então a Polícia Federal vai desencadear a operação no momento correto de desencadeá-la. Quando ela está madura para ser executada. Não há como definir a data. Muito menos o policial que investiga. E a operação vai se desenvolvendo e terá o momento em que será preciso deflagrá-la.

Valor: No caso da Lava-Jato, envolve pessoas ligadas ao PT, que é o partido que está no Poder. A Polícia Federal tem, na prática, independência para investigar colegas de partido da presidente Dilma Rousseff?
Leandro Daiello Coimbra: A Polícia Federal investiga fatos, não pessoas. Isso eu gostaria de frisar claramente. Nós investigamos fatos e, se comprovada a existência de fato criminoso, nós vamos buscar a autoria. Independentemente de quem seja e de onde esteja.

Valor: A Petrobras está sendo investigada?
Leandro Daiello Coimbra: É uma empresa de economia mista. Portanto fora de nossa competência.

Valor: O senhor está na direção-geral da PF desde janeiro de 2011. Houve algum momento em que se sentiu politicamente pressionado no cargo?
Leandro Daiello Coimbra: Isso seria praticamente inexistente hoje dentro da organização, pela própria cultura que ela tem a desenvolver. O policial participa de um caso e tem total autonomia. É claro que ele tem o limite da lei e das normas internas [da corporação]. E autonomia total.

Valor: E o senhor nunca viveu uma situação sequer que tenha envolvido algum tipo de pressão política?
Leandro Daiello Coimbra: Não, porque desde que eu assumi… e os antigos diretores sempre tiveram isso bem claro: Nós cumprimos a lei. Nem mais nem menos.

Valor: Uma das reivindicações dos policiais federais que prometem greve é a criação de uma lei orgânica específica para a categoria. O senhor é a favor?
Leandro Daiello Coimbra: A Polícia Federal precisa de uma lei orgânica. Há um projeto de lei a respeito em trâmite no Congresso há muito tempo. E com certeza nós temos de nos modernizar. O crime organizado se moderniza. A Polícia não pode deixar de fazê-lo. Uma lei orgânica estrutura, robustece a organização. Hoje, eu diria, que ela só vai trazer para a lei aquilo que já é fato.