PF exporta o seu “know-how”
O aumento de mais de 6 mil por cento nas apreensões de cocaína exportadas pela costa da África para a Europa, em apenas sete anos (num movimento contrário à estabilização do tráfico internacional, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas), a projeção do Brasil no cenário político internacional e a credibilidade alcançada pela Polícia Federal (PF) brasileira estão empurrando a corporação para novo desafio: a exportação de seu know-how para países de língua portuguesa e do Mercosul.
Já no próximo mês, 18 policiais de Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe, além de dois argentinos e dois paraguaios vão participar como alunos espectadores do curso de formação dos federais na academia da PF, em Brasília. Esse é apenas um dos cinco itens de programa de colaboração da polícia brasileira com esses países, que prevê também a consultoria de policiais especialistas, em investigações em andamento nessas regiões.
De acordo com o diretor-geral do Departamento de Polícia Federal, delegado Luiz Fernando Corrêa, sempre houve grande demanda de auxílio da comunidade internacional, mas o Brasil não estava preparado para atender aos pedidos, fazendo isso de forma desorganizada e, muitas vezes, com alguns meses de atraso. Por isso, a decisão de tornar essa mais uma atribuição da corporação. Esse é apenas o primeiro passo desse trabalho, que começa no dia 25. A partir daí, vamos anualmente promover a formação de policiais parceiros e prestar assessoria de forma institucional, explicou Corrêa.
Entusiasmado com os novos projetos, o diretor-geral afirma que o rompimento das fronteiras brasileiras vai fazer com que a PF também adquira mais conhecimento para trabalhar no país, especialmente se forem consideradas as diferenças regionais brasileiras. Temos algumas regiões no Brasil que se assemelham muito aos problemas do Sul da África, conclui.
A iniciativa da PF tem apoio da ONU, por meio do seu programa contra drogas e crimes( UNODC) -, que, no ano passado, alertou para a necessidade de os países africanos receberem auxílio internacional no combate ao crime organizado. O diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, Antonio Maria Costa, estima que 40 toneladas de cocaína tenham sido enviadas à Europa, via Oeste africano, e que um quarto da droga consumida no velho continente chegue pela África por um valor estimado em US$ 1,8 bilhão.
Em recente visita a Guiné-Bissau, Costa disse que “o dinheiro das drogas está corrompendo a economia e apodrecendo a sociedade. Com ameaças e propinas, os traficantes se infiltram nas estruturas estatais e operam impunemente”. Maria Costa pediu apoio internacional, ressaltando que Guiné-Bissau é hoje o país mais vulnerável.
Preocupação
O pedido da ONU apenas reforçou o interesse do governo brasileiro, que, na atual gestão, demonstrou claro interesse em estreitar relações com países africanos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, até agora, sete viagens ao continente, onde prometeu apoio em vários setores. Nos bastidores do governo, a informação é de que o presidente Lula se empenhou pessoalmente para que a PF assumisse essa nova atribuição.
Assessores próximos, o presidente confessou preocupação pela demora da polícia brasileira em desenvolver o programa de ajuda aos africanos, já que ele assumiu publicamente o compromisso, especialmente, durante sua última visita àquele continente. Para tocar o projeto de projeção internacional da PF, foi escolhido o delegado Getúlio Bezerra Santos, ex-diretor de Combate ao Crime Organizado e Repressão a Entorpecentes, professor da academia e com vasta relação com as polícias em todo o mundo.
De acordo com o diretor da PF, o custo com os alunos espectadores será arcado, em parte, pela ONU, mas a corporação vai oferecer aos africanos, paraguaios e argentinos uma bolsa para alimentação, estadia na Academia de Polícia Federal, uniformes e material didático. O curso vai se estender até julho. Cada um dos países africanos participantes terá direito a quatro vagas para os cursos de formação de agente e duas para peritos.
Aos alunos argentinos e paraguaios, serão oferecidas quatro vagas para agente. Hoje a PF só aceita em seus quadros policiais com curso superior, mas o processo de seleção dos alunos espectadores terá como exigência apenas exames físicos e médicos, já que alguns países africanos não têm em seus quadros policiais com nível superior. Além disso, os alunos estão dispensados de fazer prova, mas terão que ter freqüência nas aulas e apresentar monografia, tendo como tema, preferencialmente, a melhoria da capacitação em seus respectivos países.