PF impede entrada de 8 espanhóis

7 de março de 2008 11:51

Agentes da Polícia Federal impediram a entrada no Brasil de oito espanhóis, cinco homens e três mulheres, na noite desta quinta-feira. Eles tentaram desembarcar no Aeroporto Internacional de Salvador às 21h15m, em vôo da Air Europa, mas tiveram de retornar à Espanha às 23h30m. O grupo não declarou onde ficaria hospedado ou quanto dinheiro tinha.

Segundo a PF, três dos barrados seriam agentes de viagem. A medida acirra as tensões entre os governos brasileiro e espanhol, que tiveram início depois que um grupo de 30 brasileiros foi detidos ao desembarcar no aeroporto Madri. Quinze deles deixaram a Espanha por volta das 21h de quinta (horário de Brasília). Os brasileiros embarcaram no vôo 6827, da companhia Iberia, com destino ao Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. O vôo chegou ao Brasil às 7h15m desta sexta-feira.

Nesta quinta-feira, o ministro interino das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, reuniu-se em Brasília com o embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidró. O embaixador afirmou que os brasileiros não cumpriram as exigências para entrar no país, mas não espeficou que exigências seriam essas. Os pais dos dois estudantes disseram que os filhos estavam sendo maltratados no aeroporto, impedidos de falar com a família e tiveram até remédios confiscados na imigração.

Por fim, o Itamaraty expressou “profundo desagrado” em nota do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim e ameaçou recorrer ao princípio da reciprocidade se o caso dos brasileiros barrados em Madri não tivesse um desfecho satisfatório.

O embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidro, nega que os brasileiros retidos no aeroporto de Madri tenham sido alvos de discriminação das autoridades de imigração espanhola. Ele deu 48 horas para que a Ibéria – a companhia aérea usada pelo grupo para viajar até Madri – os retirasse do país.

– Eu lamento esses acontecimentos, mas nenhum deles[brasileiros] reunia as condições necessárias para entrar na União Européia. – disse o embaixador

Viajantes que queriam entrar na Espanha têm de apresentar passagem de ida e volta, indicação do local de hospedagem, cartão de crédito ou uma soma em dinheiro que corresponda entre 57 a 60 euros por dia de permanência em território espanhol.

O embaixador disse que já conhecia a posição do governo brasileiro pelo noticiário dos jornais e que não acredita que o texto afetará as relações entre Brasil e Espanha.

– A reciprocidade é sempre uma possibilidade, mas é uma situação que de modo algum se adequa a situação entre os dois países. Acho que ela não está na mente dos brasileiros e nem dos espanhóis.

Entre os brasileiros estão alunos de pós-graduação do Instituo Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Eles estavam seguindo para Lisboa, em Portugal, onde fariam palestra num congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política. De acordo com o presidente Iuperj, José Maurício Domingues, os estudantes foram detidos sem qualquer acusação e estão sendo constrangidos, inclusive passando fome e sede.

Estudante vai entrar com ação contra governo espanhol
A estudante Patrícia Rangel, de 23 anos, esperava defender em Portugal sua pesquisa de mestrado sobre discriminação contra as mulheres. A palestra no congresso estava marcada para quinta-feira. Patrícia, entretanto, não compareceu. No mesmo horário, ela estava com o colega, Pedro Lima, presa em uma sala do Aeroporto de Madri, tendo passado cerca de dez horas sem comer, sem beber e sem qualquer contato com os familiares, desde que seu vôo fez escala na capital espanhola, na última quarta-feira.

O embarque para o Brasil está previsto para hoje. A estudante deixou o Brasil às 20h de terça-feira, com previsão de escala em Madri. Logo que chegou, porém, foi levada para uma sala reservada, onde ficou até as 20h sem qualquer comunicação. Após esse período, o grupo foi encaminhado para outro cômodo, onde havia camas.

Neste momento, Patrícia recebeu sua bolsa de volta, somente com o dinheiro que tinha levado para a viagem (40 euros por dia), recebeu uma refeição e fez o primeiro contato com sua família, em Juiz de Fora (MG).

– Ela estava muito assustada com a discriminação que sofreram. Eles não tinham qualquer informação sobre o que estava acontecendo – afirmou a mãe, Jucineide Rangel, professora da rede municipal.

Depois disso, a estudante fez outros dois contatos com os familiares. No último, ao meio-dia de quinta-feira, informou que retornaria ao Brasil nesta sexta e que, finalmente, a imigração tinha justificado sua detenção: ela não teria dinheiro suficiente para seguir a viagem.

– Eles falaram isso porque não tinham nada para argumentar. Ela tinha pouco dinheiro, mas o mínimo que foi solicitado pela associação. Além disso, o Pedro tinha mais. Por que também ficou detido? – indagou Jucineide, que suspeita de que a filha e o colega tenham ficado mais tempo presos por terem discutido com os policiais.

A filha poupou a mãe dos detalhes do constrangimento.

– Ela só me disse que eu não sabia o que ela estava sofrendo e que os policiais colocaram todos sentados no chão, tratando-os como cachorros.

Em todo esse período de indefinição, um representante da diplomacia brasileira entrou em contato com a família apenas uma vez. Os parentes agora esperam Patrícia para decidir os detalhes de uma ação judicial contra o governo da Espanha.

Patrícia é formada em relações internacionais pela PUC-Rio. Há um ano é aluna de mestrado do Iuperj. No fim de 2007, foi selecionada para a apresentação em Lisboa pela associação portuguesa, que subsidiou praticamente todo o valor da passagem.
Estudantes foram chamados de cachorros por policial

É um processo kafkiano, um seqüestro em vários níveis, não só da pessoa como da sua cidadania

Aluno exemplar no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), onde faz mestrado em ciências políticas há um ano, Pedro Luiz Lima, de 25 anos, se viu diante de uma situação irônica: a caminho de Lisboa para apresentar um trabalho sobre democracia, ficou detido sem qualquer explicação por mais de dois dias em Madri.

O trabalho, no qual propunha um diálogo entre as idéias do alemão Jürgen Habermas e as do italiano Antonio Negri, seria apresentado no congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política. Pedro representava o Iuperj com a colega Patrícia Rangel, de 23 anos, detida com ele e outros oito jovens, que conseguiram seguir viagem. Segundo Pedro, eles sofreram tratamento discriminatório e foram chamados de cachorros por um policial.

O drama começou logo no desembarque em Madri, pouco depois das 10h (horário local), onde fariam conexão para Lisboa. Segundo os pais de Pedro, os professores Luiz Carlos Lima e Rosaly da Silva, os jovens teriam sido encaminhados para um ônibus com as janelas vedadas. Depois de 20 minutos, chegaram a um local que parecia em obras, onde havia algumas salas. Lá, se viram acompanhados por outras 400 pessoas, a maioria latinas, número que foi diminuindo ao longo do dia.

Durante todo o tempo, ficaram sob a vigilância de policiais com pastores alemães. Mas, segundo Pedro, em nenhum momento as autoridades espanholas deram qualquer explicação.

– Alegavam que havia problema com os documentos, mas não diziam qual. Também disseram que estávamos com pouco dinheiro, mas mandaram outra pessoa de volta por excesso de dinheiro – contou Pedro à mãe, por telefone, na tarde de quinta.

As primeiras quatro horas foram as mais dramáticas, com Pedro tendo sido deixado sem comida e água mesmo depois de mostrar os documentos, R$ 1.000 em euros e libras (ele seguiria para Londres) e cartões de crédito, além do itinerário da companhia Iberia, que mostrava que ele já estava com a volta para o Brasil marcada para o dia 17. Quase 12 horas depois do desembarque em Madri, permitiram que Pedro ligasse para os pais.

De acordo com o relato de Pedro aos pais, era difícil entender o que estava acontecendo porque os policiais respondiam de forma evasiva às perguntas dos detidos.

– Diziam coisas tipo: “Vocês sabem por que estão aqui – conta Rosaly.

Depois de horas sem explicações, Patrícia teria começado a chorar, e foi repreendida. Foi então que Pedro dirigiu-se a um dos policiais dizendo que eles estavam sendo tratados como cachorros.

– E ele respondeu: “Mas vocês são cachorros” – contou Pedro.

Depois desse primeiro telefonema, Pedro ganhou comida e água e pôde falar mais vezes com os pais. Preocupado, Luiz Carlos telefonou pelo menos dez vezes, na madrugada, para o número do qual o filho havia ligado.

Os pais então localizaram o cônsul-geral do Brasil em Madri, Gelson Fonseca, que se pôs à disposição. Segundo os pais, o cônsul chegou a conversar com Pedro por telefone, mas nada disse de objetivo. No fim da manhã de quinta-feira (hora de Madri), Pedro passou por uma espécie de entrevista, na qual foi informado que seria mandado de volta para o Brasil no vôo de meio-dia (também hora local) de hoje.

– Parece que vão nos manter por mais uma noite de pirraça, por causa do “desacato” do choro, já que pessoas que foram entrevistadas depois de nós estão sendo mandadas de volta no vôo de meia-noite de quinta – disse Pedro.

– É um processo kafkiano, um seqüestro em vários níveis, não só da pessoa como da sua cidadania. O rapaz vai para fora mostrar o seu trabalho, representando um instituto brasileiro e, por tabela, o Brasil, e acontece uma coisa dessas – lamenta Luiz Carlos.

De acordo com o cônsul-geral do Brasil na Espanha, Gelson Fonseca, os dois estudantes voltarão ao Brasil nesta sexta. O diplomata informou que tentou conseguir com que os dois seguissem a viagem:

– Falei pessoalmente com o chefe da polícia e mandei um fax dizendo que eles efetivamente iam para o congresso, com a expectativa de que, com esse meu documento, eles pudessem seguir viagem normalmente, mas infelizmente não aceitaram essa documentação – lamentou o diplomata.

Por ordens de Celso Amorim, o secretário-geral do ministério e ministro interino Samuel Guimarães convocou o embaixador espanhol em Brasília para manifestar “a inconformidade do governo brasileiro com o novo episódio”. O representante europeu foi informado que as medidas adotadas pelas autoridades imigratórias da Espanha são incompatíveis com o bom nível do relacionamento entre os dois países. O embaixador do Brasil na Espanha, José Viegas Filho, também foi orientado a informar o chanceler espanhol sobre a insatisfação brasileira.
Há poucas semanas, chanceler pediu tratamento digno e adequado

Segundo o Itamaraty, há poucas semanas, Amorim há havia manifestado ao chanceler espanhol “a insatisfação do governo brasileiro com a repetição de tais medidas restritivas e ressaltado a importância de que se conceda tratamento digno e adequado a cidadãos brasileiros que ingressam na Espanha”.

Em outubro do ano passado, o GLOBO ONLINE relatou outros casos de brasileiros que denunciavam maus-tratos ao serem barrados no aeroporto de Madri. Desta vez, os detidos também tiveram poucas chances de falar com as famílias até a noite de quarta-feira. Segundo o diretor do Iuperj, um integrante do consulado brasileiro na Espanha foi até o aeroporto para tentar liberar os estudantes, mas não conseguiu.

– É uma situação absurda e um total desrespeito o que está acontecendo a estes jovens, que foram convidados para apresentar um trabalho num congresso em Portugal e apenas passariam pela Espanha. Os familiares informam que eles ficaram sem poder comer e beber água – afirmou Domingues.

Só no mês passado, 452 brasileiros foram impedidos de entrar na Espanha. Segundo relatório de ocorrências feitas pela Polícia Federal, a Espanha barrou e mandou de volta ao Brasil 192 brasileiros no ano passado e 187 em 2006. Esse número engloba as pessoas deportadas, extraditadas, expulsas ou simplesmente repatriadas. Esse último grupo, do qual faz parte como Beta Pratz, não está impedido de retornar à Espanha.

No ano passado, a Espanha foi o país que mais mandou brasileiros de volta ao país de origem, seguida pelos Estados Unidos, com 187 casos. Nos últimos dois anos, 3.764 brasileiros foram reembarcados ao Brasil.