PF indicia presidentes de Cisco do Brasil e Mude

18 de outubro de 2007 09:43

A Polícia Federal (PF) indiciou ontem os 40 presos da Operação Persona, entre eles os presidentes da Cisco do Brasil, Pedro Ripper, e da distribuidora Mude, Moacir Álvaro Sampaio. Na lista estão pelo menos mais dez executivos e sócios das duas empresas. Os acusados foram indiciados por crimes que vão de formação de quadrilha a corrupção. A delegada Erika Tatiana Nogueira, coordenadora da operação, já trabalha com a possibilidade de pedir a prisão preventiva dos suspeitos. A prisão temporária, decretada pela 4º Vara da Justiça Federal de São Paulo, termina no domingo.

Entre os presos indiciados, está ainda o presidente da Cisco para a América do Sul, Carlos Alberto Carnevali. Em menos de 48 horas após as primeiras prisões, a polícia concluiu os interrogatórios. Ripper, Carnevali e demais presos vinculados à Cisco se recusaram a responder às perguntas da PF e do Ministério Público.

Disseram que falarão em juízo.

Os acusados foram indiciados segundo sua participação numa organização constituída para fraudar importações de produtos de informática e telecomunicações.

Entre esses crimes estão contrabando, sonegação, falsidade ideológica, evasão de divisas, interposição fraudulenta, ocultação de patrimônio, uso de documento falso, formação de quadrilha e corrupção. A lista pode ser ampliada após análise do material apreendido em empresas e casas dos acusados.

A PF negou ontem que Carnevali tenha sido solto ainda na terça-feira. Segundo a polícia, logo depois de receber voz de prisão, ele passou mal e teve que ser levado a um hospital. Em seguida, foi conduzido para a carceragem da PF, em São Paulo.

A PF negou também que tenha descoberto um plano de fuga ao exterior de executivos presos.

Importadoras estão em nome de pessoas de baixa renda
Ripper, Carnevali, Sampaio e os demais 37 acusados foram presos na terça-feira numa ação conjunta da PF e da Receita Federal. São acusados de usar a Cisco e a Mude para montar um esquema de importações ilegais dos EUA para o Brasil. Nos últimos cinco anos, o esquema resultou num prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, segundo estimativas da Receita. O cálculo leva em conta o imposto sonegado e multas a serem aplicadas às empresas. Também foram apreendidas mercadorias que somam R$ 70 milhões.

A expectativa da PF e da Receita é que a polícia americana aprofunde as investigações sobre a matriz da Cisco e as filiais da Mude nos EUA. A polícia pediu a prisão de cinco brasileiros que estariam em território americano. Um deles teria manifestado interesse em se entregar e retornar ao Brasil. A operação mostrou que cinco empresas nos EUA, envolvidas nas atividades ilegais, estão em nomes de brasileiros daí os pedidos de prisão. Segundo fontes da Receita, são exportadoras que funcionam como laranjas, vendendo produtos fabricados para seis importadoras no Brasil, também laranjas.

Os técnicos do Fisco afirmam que as importadoras estão em nome de pessoas que não têm renda compatível com operações desse porte: São pessoas que têm renda baixa e moram em lugares simples disse um funcionário.

Outras duas empresas situadas no Brasil funcionavam apenas como fornecedoras de notas fiscais. Pela fraude, a mercadoria chegava ao Brasil e ia para o galpão da empresa. Depois, outra nota fiscal era emitida, e os produtos seguiam para os verdadeiros compradores.

O esquema era até mais disfarçado. Uma das laranjas tinha, de fato, um depósito, para parecer que importava as mercadorias contou o técnico.

O Fisco estima que o retorno aos cofres públicos pode ser maior do que R$ 1,5 bilhão, pois, quando há grandes operações, outras empresas que praticam fraudes ficam apreensivas e recolhem impostos atrasados.

Presidente da Cisco até 2006 não foi preso na operação
Em nota distribuída em Londres, a Cisco Systems afirmou que vai cooperar com as autoridades brasileiras e iniciou uma investigação interna. A empresa, porém, ressaltou que não tem operações diretas no Brasil e trabalha com revendedores.

Os procuradores federais Priscila Schreiner e Marcos Gomes Correia e os delegados da PF podem apresentar denúncia à Justiça contra os envolvidos nos próximos dias. Ontem, iniciaram a análise dos depoimentos e documentos apreendidos, que ocupam 60 metros quadrados na sede da PF em São Paulo. O inquérito tem mais de 4.000 páginas.

Eles não descartam a possibilidade de pedir a prorrogação das prisões temporárias dos 40 detidos. A PF de São Paulo não quis se manifestar ontem.

Uma fonte disse que os policiais agem de modo a evitar a exposição de acusados antes da comprovação dos delitos.

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3º Região recebeu ontem o primeiro pedido de habeas corpus, do auditor da Receita em Salvador Maurício Rocha Maia, acusado de facilitar o esquema.

Seu advogado, Gamil Foppel, disse que não há necessidade para prisão cautelar.

Ex-presidente da Cisco no Brasil, Rafael Steinhauser erroneamente identificado anteontem, por uma fonte do Ministério Público, como um dos presos afirmou desconhecer irregularidades na empresa durante sua gestão, de 2002 a 2006. O executivo, hoje presidente da Nextwave Wireless para a América Latina, está em Buenos Aires a negócios e nega ter sido procurado pela PF. Ele afirmou que sua função na Cisco era meramente comercial, e que Carnevali tinha o poder estatutário.

COLABOROU Juliana Rangel, do Globo Online

omo era feita a fraude

ENCOMENDA
Clientes brasileiros, em geral grandes empresas, encomendavam produtos de rede de informática e telecomunicações para a Cisco do Brasil. A Cisco mandava o cliente para Mude, sua maior representante brasileira, que tem como sócio oculto Carlos Alberto Carnevali, presidente da Cisco para América do Sul

PEDIDO DE FABRICAÇÃO
A Mude encomendava os equipamentos, feitos sob medida, à matriz da Cisco, nos EUA

NOS EUA
A Cisco americana fabricava os produtos e os revendia para uma filial da Mude nos EUA. A venda tinha descontos de 40% a 70%. Esta etapa, segundo a PF, comprova a participação da matriz da Cisco

DIVISÃO DOS PRODUTOS
A filial da Mude nos EUA dividia os produtos, superfaturava o software (que quase não paga impostos para entrar no Brasil) e subfaturava o hardware (pesadamente tributado no Brasil)

POR QUE O NOME PERSONA?
Segundo a PF, a operação tirou a máscara das empresas envolvidas nas fraudes. Seria uma referência também às máscaras do carnaval de Salvador, uma das bases da operação da quadrilha. Inicialmente, a operação seria batizada de Mudança, em referência à Mude.

AUDITORES DE PRONTIDÃO
Na Bahia, o grupo tinha quatro auditores fiscais da ativa, mais dois aposentados, de prontidão para desembaraçar a mercadoria, caso houvesse algum problema. Em geral, contudo, eles não eram acionados

ETAPA PAULISTA
As empresas laranjas de São Paulo tinham depósitos no estado, recebiam as mercadorias vindas de Salvador e as repassavam para a Mude distribuir aos clientes. Ou seja, apesar de ter feito a encomenda inicial, a Mude no Brasil nunca aparecia como a receptora final e oficial dos equipamentos

ETAPA BAIANA
As seis tradings na Bahia simulavam a montagem do produto (união do software e hardware) no pólo de Ilhéus e vendiam esse “produto final” para duas empresas laranjas em São Paulo. Na realidade, os produtos mal ficavam na Bahia: chegavam e já eram reembarcados para São Paulo

SAÍDA DO PRODUTO NOS EUA E ENTRADA NO BRASIL
A filial da Mude nos EUA vendia os produtos já separados para uma das seis empresas laranjas nos EUA com as quais opera (tradings). Essa exportadora vendia para outras seis tradings na Bahia, algumas controladas por laranjas. Uma delas existe fisicamente e mantém uma fábrica no Pólo de Informática de Ilhéus

ALGUNS DOS PRESOS
Moacyr Alves Sampaio (presidente da Mude)
Jose Roberto
Pernomian Rodrigues
Marcelo Naoki Ideda
Luiz Scarpelli Filho
Valdir Esteves
Pedro Santos Ripper (presidente da Cisco do Brasil)
Paulo Roberto Moreira
Jose Ricardo Gantus
Cid Guardia Filho
Ernani Bertino Maciel
Moises Aleixo Nunes
Fernando Machado Grecco
Helio Benetti Pedreira
Daniela Wink Ruiz
Marco Antonio Martins de Sena
Reinaldo de Paiva Grillo
Marcilio Palhares Lemos
Gustavo Henrique
Castellari Procopio
Gabriel Simões de Godoy
Carlos Alberto Carnevali

Peça-chave na internet
Equipamentos da empresa californiana são fundamentais para a rede mundial
Nelson Vasconcelos*

Longe de ser conhecida pelo grande público, a Cisco é uma gigante californiana com mais de 50 mil funcionários, que ano passado faturou US$ 34,9 bilhões em todo o mundo. De onde vem tanto poder? Simples: a empresa fornece equipamentos de infra-estrutura para a indústria de telecomunicações. Seus roteadores, por exemplo, viabilizam grande parte do tráfego pesado da internet.

A Cisco também está cada vez mais forte na área de voz sobre IP (telefonia pela internet), que barateia os custos com telefone, voltada principalmente para o mercado corporativo. Além disso, preparase para atuar pesadamente no promissor mercado de TV digital no Brasil.

Oficialmente, a empresa não divulga quanto movimenta no país. Mas seu site deixa pistas: 1% do faturamento global, ou US$ 349 milhões. A Cisco não tem operações de vendas diretas no Brasil.

Para isso, precisa de parceiros, adotando um tipo de ramificação bem comum entre as multinacionais de tecnologia que atuam aqui e em outros emergentes. Por sinal, um analista consultado pelo site Convergência digital sugere que a fraude da Cisco pode ser só a ponta de um iceberg, que envolveria outras empresas do setor. Seria um forma de contornar os altos impostos sobre eletroeletrônicos.

Não há como o mercado de redes conseguir vender produtos com os preços que conhecemos (…) se não houver qualquer esquema que venha a compensar a elevada carga tributária existente no Brasil , diz a fonte.

(*) Titular da coluna Conexão Global