Polícia Federal discreta
A reflexão vem a propósito da diretriz, anunciada tanto pelo novo diretor-geral da Polícia Federal (PF), delegado Luiz Fernando Corrêa, quanto pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao qual está subordinado, no sentido de que nas operações da PF não mais se verão pessoas presas com grande exposição, o uso desnecessário de algemas e todo um cenário exibidor de força repressiva, capaz de gerar impacto pelas câmaras de televisão. A imagem de sucesso da PF não deve ser marcada pela imagem de alguém sendo jogado num camburão – disse o novo diretor-geral.
É seu propósito, tanto quanto do ministro, dar continuidade ao esforço investigativo da instituição policial, que na gestão Paulo Lacerda se caracterizou pelas espetaculosas megaoperações, sem recorrer, no entanto, ao espetáculo como punição alternativa .
Não há como deixar de considerar, nessa nova orientação da Polícia Federal, os efeitos da contrariedade do presidente Lula desde que pessoas que lhe são bem próximas – especialmente seu irmão mais velho Genival Inácio da Silva, o Vavá – foram envolvidas em megaoperações da PF. Vavá foi arrolado como suspeito de integrar a máfia dos caça-níqueis (desmontada pela Operação Xeque-Mate) e indiciado por tráfico de influência no Executivo e exploração de prestígio no Judiciário. Sob este aspecto o novo diretor-geral – um petista gaúcho, como o ministro Genro – certamente se mostra, digamos assim, muito mais palatável ao Planalto. Mas, até pelo prestígio republicano que a Polícia Federal tem conquistado, o Planalto não pode desconsiderar a necessidade tanto da continuidade da gestão Lacerda, sob certos aspectos, quanto de mudanças, em relação a outros.
De qualquer forma, o Estado Democrático de Direito exige respeito à pessoa. E, por falar nisso, cabe aqui também comentar o propósito anunciado pelo ex-diretor da PF e atual diretor indicado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda, de fazer aprovar lei no Congresso que permita grampos, praticados pela Abin, em casos excepcionais, tais como aqueles em que haja suspeita de ações terroristas. Pela legislação vigente, a agência não figura entre os órgãos do Estado autorizados a fazer escutas telefônicas. Diga-se desde logo que dar essa função à Abin – ou seja, a instalação e operação de equipamentos de escuta telefônica, o que cabe à Polícia Federal, sempre mediante autorização judicial – é algo inteiramente descabido. Na hora em que um órgão destinado à segurança do Estado passar a assumir funções policialescas estará se tornando incompatível com o Estado Democrático de Direito – e não foi para isso que se criou um órgão em substituição ao antigo SNI, visando a adequar as exigências da proteção do Estado às da proteção da cidadania, na democracia.
A Abin é um órgão estreitamente ligado ao governo e isso vai criar uma situação cada vez maior de abusos e excessos – advertiu o experiente criminalista Tales Castelo Branco. É preocupante, porque o governo procura cada vez mais se cercar de medidas perigosas para a sociedade, violando a intimidade do cidadão – enfatizou o presidente da Associação Paulista dos Magistrados. Estes e muitos outros juristas já se deram conta da espada de Dâmocles que permaneceria pendendo sobre as cabeças de quem se dispusesse, em nosso país, à plena liberdade de exercer sua privacidade.