Por que, diachos, precisamos de uma PEC 37!?
Luiz Flavio Borges Durso O (conselheiro federal da OAB) nos chama a atenção para como a questão da investigação policial está posta na lei: art. 144, § 4º, CF, e pergunta: Existe alguma dificuldade para o interprete? E responde: Não. A investigação compete à polícia. Simples assim. E continua a indagação: Da mesma forma, o art. 129 da CF (que elenca as atribuições do Ministério Público), traz alguma dúvida? A polícia pode, por exemplo, dizer que também pode propor ação penal? Há espaço para isso? Evidentemente que não. Mas passamos a assistir parte do MP a reclamar uma atribuição que o legislador (nem o constituinte nem qualquer outro) nunca lhe deu. O Avanço desenfreado de alguns membros do MP por poder, que não se contentam com as atribuições que a CF lhe deu, apesar da lei ser muito clara, iniciaram uma verdadeira campanha contra a polícia, ENGANANDO a sociedade com falsos argumentos.
Os argumentos que foram construídos para fazer frente a essa límpida lei, espantam. Até a construção de um procedimento (os PICs) foi feita. Esse avançar deu azo a construção também de uma tese: Estaria implícito na legislação que quem pode o mais pode o menos. Ora, a investigação é o menos? Não. Não há hierarquia entre o investigar e o denunciar. Então, o juiz, que pode o mais, DECIDIR, pode investigar e denunciar? Deve haver o compartilhamento das funções do Estado para o Estado se auto-controlar. A divisão de poderes na persecução penal é fundamental. As atribuições do MP estão na lei. O MP é o mesmo estado do qual emana o poder do Juiz. O legislador dividiu poder ( estado-juiz, estado-MP, estado-policia) para que o próprio Estado pudesse se auto-controlar Essa é a idéia. O resto é perverter a ordem constitucional. O que o MP traz é tese jurídica, que não encontra respaldo legal. E o debate jurídico deu lugar a campanha para sensibilizar a opinião publica quando surgiu a PEC, que foi necessária para dizer que “cocada se faz com coco que dá no coqueiro”, o óbvio. Sem respaldo na lei o MP passa a apelar para o emocional, daí taxar a PEC de PEC da impunidade, um debate que não é mais jurídico, é apelo (para sensibilizar a opinião pública e o parlamento. Outro falso argumento: Se o MP tem o controle externo pode investigar. Ora, requisitar não é investigar.
Premissas falaciosas, deturpadas para chegar à conclusão pretendida. Quando não há fundamento jurídico a opção é atacar a polícia. Se tem omissão da policia é porque o MP não realiza o controle externo e não está preocupado com isso. O MP investigar seria a solução de todos os problemas é outra mal remendada falácia que impressiona a população, mas é meramente apelativa. A PEC retira poderes do MP? Ninguém retira o que o MP nunca teve na lei. A massificação do conceito é que leva a falsas idéias. Chama-se então a PEC de PEC da impunidade? Mas o presidente do TJ/SP (que fala em nome do judiciário), OAB de Sp e Conselho Federal da OAB, juristas como…defendem a ilegalidade, a impunidade? Ademais, investigação não é só grampo, é atividade cognitiva, é suor, é campana, e o MP vai fazer isso, sem estrutura, sem know how? MP quer investigação seletiva. Dizem até que a Policia não pode sozinha investigar porque se houver participação de policias no crime a investigação interna corporis levaria a impunidade. Mas se o membro do MP cometer crime, não se fará investigação interna corporis (pelo próprio órgão)? MP está acima dos outros integrantes da família forense? NENNHUM argumento do MP tem sustentação jurídica.
O professor JOSE ROBERTO BATOQUIO lembra que a PEC acrescenta um único parágrafo ao art 144 se tornou objeto de uma campanha falaciosa. E pergunta: Seria mesmo uma PEC desnecessária? A CF no art 144, da CF, inc I e § 4º, é obscura? Suscita alguma duvida interpretativa no tocante às policias? Da interpretação gramática das atribuições para apurar infrações penais há alguma dificuldade? Então para que serviria a PEC? Cria alguma inovação? Se não, então porque a confusão criada pelo MP? A resposta é: Quanto mais poder se tem mais poder se quer. Ora, quando a CF quis dar a um Poder um poder diferente daquele de sua natureza ela foi expressa (O Legislativo julgar – no caso do impeachment, o executivo legislar – no caso da MPs, etc) Se a CF quisesse dar ao MP outras atribuições além daquelas do art. 129, teria feito. Na CF não há poderes implícitos em termos de competência. Onde a lei quis ela diz. Ora, além de denunciar e investigar, daqui uns dias, o MP não vai querer julgar? O MP já recebeu um cem numero de atribuições para o qual mal da conta, e agora quer usurpar substituir a policia judiciária? É racional? É factível? Haverá benefícios para a sociedade se isso pudesse ocorrer, pergunta o professor? Em 2004 houve a primeira investida concreta contra a CF, a Resol. 77/2004 do CNMPF disciplinando os PICs – Procedimento Investigatório Criminal, uma completa legislação sobre processo penal. Depois veio então a Resol. 13/2006 do CNMP no mesmo sentido. O MP mais uma vez, além da inconstitucionalidade material, se sobrepondo União, editou normas processuais penais de inconstitucionalidade.
Conforme bem nos lembra o professor IVES GANDRA MARTINS, a questão merece sempre uma abordagem constitucional, e não emocional. Até por que é de uma emenda à CF que estamos a tratar. O Poder judiciário, que é o poder que julga depende de duas funções essenciais para funcional: MP e advocacia, que estão no mesmo nível de igualdade e importância. Não há um MP acima de qualquer outro, insuspeito. Há um equilíbrio entre advocacia e MP. A advocacia só é atuante nas democracias, e a Constituição reservou a ela importante papel no momento em que deu ao cidadão o direto à ampla defesa. O MP, portanto, não pode entrar no cenário jurídico da persecução penal com disparidade de armas em relação à defesa. Não pode ir além do que a CF o permitiu ir. Ora, não se pode retirar do MP algo que ele legalmente nunca teve. O art. 144, é claro. Onde está, no art. 127 e no 132 da Constituição, o poder de investigação do MP? Onde está na CF a atribuição que o MP se atribui, de policia judiciária?. Tal poder ele mesmo se outorgou. Mas no Brasil o óbvio precisa ser reafirmado. Por isso a PEC. E ainda, querer o MP ser titular apenas de investigação seletiva é algo mais grave. Ora, na CF o Delegado, como policia judiciária, é longa manus do judiciário, por isso o delegada é imparcial como o é o Juiz.
O Direito é sempre em dúbio pro réu. Se o Juiz é obrigado a decidir , na duvida em favor do réu, o membro do MP vai, na duvida, agir como Juiz ou vai acusar? Vicente GRECO FILHO, por sua vez, enfatiza que a mesma pessoa ou órgão não pode exercer funções o diferentes na persecução penal. Não importa se o MP institucionalmente queira exercer as funções de autoridade policial ou o faça de fato, a conclusão é que ele está impedido de ser promotor se exerceu as funções de autoridade policial. É garantia do cidadão a separação das funções. Ao MP cabe apreciar a justa causa para denunciar. Se ele investigou como ter isenção para exercer a justa causa? Óbvio que se investigou o MP terá que sustentar uma acusação. Pode haver corrupção na policia, mas no MP não pode haver? Ademais, é inegável que os controles internos e externos da policia são maiores que do próprio MP. Por seu turno o Desembargador do TJ/SP MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA afirma que o PIC (criação processual do MP) é uma heresia jurídica. Resolução do MP não obriga nada.
O cidadão está obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei. Na Constituinte foram debatidas várias Emendas constitucionais (945, 424, 1025, 2905, 20524, 20466, 3513) que davam pode de investigação do MP e todas foram afastadas. MP quer investigar, quer ser fiscal da lei, quer acusar. O MP pode requisitar o inquérito, não pode investigar. O MP seleciona para comprovar o que quer ver comprovado, já o Delegado não acusa e não defende, é imparcial. MÁRCIO THOMAZ BASTOS também reitera que o MP quer, na realidade, escolher casos que dão mídia, espaço e poder. Não querem “amassar o barro”. Não há impessoalidade do MP. Ele parte do investigado e não dos fatos. Assim, de forma didática poderíamos resumir as dúvidas que surgem em torno da PEC nas seguintes questões:
1) PORQUE O MP NÃO PODE INVESTIGAR ?
– porque contraria princípios da CF, entre eles a ampla defesa. Se o MP é parte não tem o dever da imparcialidade;
– Porque tem outra função que é a de fiscalizar, ser o fiscal da lei, fiscalizar a policia. Se ele passa a investigar, passa ser fiscal de si próprio.
– investigar não se apreende na faculdade de Direito, demanda meios e qualificação próprios, investigação é atividade de grupo e meios que o MP não dispõe;
– o poder do Estado é fragmentado em órgãos. Não há dentro de cada Poder órgãos com a mesma função;
– se dois órgão fazem a mesma coisa: submete o cidadão a mais de um mecanismo de coerção (bis in idem);
– concentração de poderes no MP atenta contra os princípios da república da separação de poderes;
– sistema de persecução penal é invasivo, por isso tem que ser o mais controlado. Na Policia há o duplo controle (MP e Juiz), com o MP nunca houve controle algum;
2) Quem pode o mais pode o mesmo. Só se pode a que a Constituição e lei permitem. Se investigar é menos que acusar, acusar é menos que julgar, e então o Juiz poderia acusar e julgar;
3) Quanto mais órgãos investigando é melhor. Então quanto mais órgãos acusando é melhor? Quantos mais órgãos julgando é melhor? Isso é o caos. Se mais gente investigando é melhor, por que o MP ajuízo uma ADIN para evitar que defensoria publica ajuíze ação civil? E se o MP investigar, a estrutura vai ser custeada como? Reduzindo orçamento da policia, criando imposto?
4) Policias apresentam baixos índices de eficácia das investigações. Com o MP esses índices de homicídio, por exemplo, vão melhorar? Primeiro que esse tipo de crime o MP não quer investigar e depois, homicídio não se investiga de gabinete. A falta de investimento em estrutura é que é o problema. Depois, cada inquérito tem um promotor acompanhando. Delegado não arquiva nada. Se milhares de inquéritos são arquivados, sem conclusão alguma, há um promotor que concordou com esses arquivamentos.
5) Polícias são subordinadas ao executivo: Mas os Procuradores Gerais de Justiça não são igualmente nomeados pelo executivo, como o é o Procurador Geral da República?;
6) Outros órgãos de fiscalização, e o jornalismo investigativo, serão impedidos de investigar. Ora, investigação é gênero da qual investigação criminal é espécie. Investigação privada, jornalística, administrativa, estão garantidas com a PEC, que fala de investigação criminal, apenas;
7) MP vai perder poder. Poder de requisição está garantido, na CF, acompanhar diligências, etc. Ademais, o MP não precisa do inquérito para denunciar, pode receber informação de qualquer órgão ou cidadão e interpor a ação penal.
Dito isso, penso que a questão está juridicamente posta e a aprovação da PEC 37 é medida que resgata a usurpação inconstitucional de atribuições que nunca foram concedidas ao MP.