Priorização do uso de armas não letais por policiais

21 de maio de 2015 16:11

A presidente Dilma Rousseff sancionou, em 22 de dezembro de 2014, a Lei nº 13.060, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo por policiais em todo território nacional. De acordo com a Lei, os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais. O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais.

 

A Lei determina que os profissionais de segurança pública não poderão usar a arma de fogo contra pessoas em fuga que estejam desarmadas e contra veículo que desrespeite bloqueio policial em vias públicas, exceto quando o ato representar risco imediato de morte ou de lesão aos policiais ou a terceiros. Ainda segundo a Lei, os cursos de formação e capacitação policial deverão incluir conteúdo programático que habilite o uso dos instrumentos não letais.

 

De acordo com o secretário de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal, Arthur Trindade, a lei é uma conquista. “A legislação é bem-vinda porque, ao mesmo tempo que considera a necessidade do uso da força pelos profissionais de segurança pública, condiciona este uso com o respeito aos direitos humanos e aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.”

 

Os instrumentos de menor potencial ofensivo são aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas (diferentemente das armas de fogo, municiadas com projéteis de metal). São exemplos desse equipamento: spray de pimenta, gás lacrimogêneo, arma de condutividade elétrica, munições de impacto controlado (balas de borracha) e tonfa (espécie de cassetete).

 

Para o presidente da Associação Nacional dos Militares do Brasil (ANMB), Marcelo Machado, a lei, no momento, será ineficiente no combate à criminalidade porque, muitas vezes, os marginais andam mais bem armados que as polícias. “Criar leis que diminuam o poder de fogo da polícia, pra mim, é acuar toda a população, favorecendo a marginalidade.” Ele acredita que, posteriormente, quando “o governo tiver coragem e realmente vontade de reduzir, no país, a criminalidade a níveis aceitáveis”, o uso concomitante de armas letais e não letais pelas polícias será possível.

 

Arthur Trindade, que também coordena o Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da UnB e tem mais de 18 anos de pesquisa na área, explica que a Lei nº 13.060 não é propriamente uma novidade. “A portaria 4226/10 elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República já internalizava no Brasil os princípios da ONU sobre o uso da força e das armas de fogo.”

 

Wilson Peres, Delegado-Chefe adjunto da 32ª DP da Polícia Civil do Distrito Federal, tendo noção do preparo das polícias do DF, diz que a Lei, na prática, não fará diferença. Segundo ele, o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo, quando não coloca em risco integridade física ou psíquica do policial, já é adotado nos cursos de formação, na disciplina “Uso Progressivo da Força”.

 

“Esse uso progressivo da força já faz parte da doutrina policial, então, na minha opinião, essa lei não vai fazer diferença nenhuma no combate ao crime e na garantia da cidadania.”, opina o Delegado.

 

Peres ainda comenta que, no combate à criminalidade, os esforços legislativos deveriam ser diferentes. Ele defende a redução da maioridade penal, aumento da pena para crime de corrupção de menores, aumento dos prazos para progressão de regime de cumprimento de pena, entre outras mudanças.

 

Desarmamento da sociedade civil

Segundo o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826), em vigor desde 2003, o porte de armas de fogo é restrito a maiores de 25 anos, que comprovem necessidade da arma e passem por teste que mostrem capacidade técnica e aptidão para o uso do equipamento. Além disso, a pessoa não pode responder a inquéritos policiais ou processos criminais. De acordo com os incisos I a XI do artigo 6º, parágrafo 3º da lei do desarmamento, a concessão só pode ser dada pela Polícia Federal, com renovação a cada três anos. A Lei autoriza integrantes das forças armadas, das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de quinhentos mil habitantes, dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal, entre outros profissionais a andarem armados caso precisem do equipamento para trabalhar. O porte ilegal de arma de fogo é crime inafiançável e pode levar até seis anos de prisão.

 

No dia 6 de fevereiro deste ano, o reeleito deputado federal Rogério Peninha Mendonça desarquivou seu Projeto de Lei (PL 3722/2012) que regula posse, porte e comércio de armas de fogo e munição no Brasil e revoga o Estatuto do Desarmamento. O PL foi apresentado, por ele, em maio de 2012. Em seu texto original, o PL prevê que, para comprar armas de fogo, o cidadão deve ter idade mínima de 21 anos, e não 25, como regulamentado pelo Estatuto. O PL, entre outras mudanças, permite que as polícias civis dos estados registrem e autorizem o porte de armas, e não somente a Polícia Federal, como ocorre atualmente.

 

Segundo Rogério Peninha, em sua apresentação do Projeto de Lei 3722/2012, “não é a arma legalizada a que comete crimes, mas a dos bandidos, para os quais a lei de nada importa”. Peninha Mendonça escreveu, em sua justificativa para o PL, que, depois da promulgação do Estatuto do Desarmamento, apesar de o comércio de armas de fogo e munição cair 90% no país, os índices de homicídio não abaixaram.

 

O secretário Arthur Trindade contesta: “Um estudo do IPEA divulgado em 2013 mostra que o Estatuto do Desarmamento conseguiu provocar uma queda de 12,6% na taxa de homicídios do país desde que foi implantado. No mesmo trabalho, foi
verificado que quanto maior a difusão de armas em uma localidade,
maior é o número de mortes violentas.” Segundo ele, o aumento de 1% no número das
armas de fogo chega a aumentar em até 2% a taxa de homicídio.

 

Em outubro de 2005, durante o governo Lula, foi realizado um referendo acerca da proibição do comércio de armas de fogo e munições, prevista no artigo 35 do Estatuto do Desarmamento. A maioria dos eleitores (63,94%) votou contra a proibição. A aposentada Maria Câmber (64) foi um dos 59.109.265 votantes que se posicionou em oposição à proibição. Viúva de policial civil e com dois filhos vítimas de assalto à mão armada, ela enfatiza: “Justo seria desarmar o bandido e não a população”.

 

Após quase 10 anos do referendo, muitos ainda mostram esse pensamento. Em enquete no portal da Câmara dos Deputados, mais de 86% dos internautas disseram que concordam com a revogação do Estatuto do Desarmamento. Com cerca de 219 mil participantes, essa é a terceira enquete ativa mais votada no site.

 

Estudante principalmente das áreas de violência, criminalidade, segurança pública, democracia e cidadania, o secretário Arthur Trindade é contrário à revogação do Estatuto do Desarmamento. “Seria um retrocesso para a sociedade brasileira flexibilizar o porte de armas”, disse ele. Já Marcelo Machado, presidente da ANMB, é a favor do direito ao porte de arma pela sociedade civil. “Nossa constituição diz que a autodefesa é um direito garantido (artigos 23 e 25 do Código Penal). Por isso, se o cidadão julgar necessário portar uma arma para a sua segurança e a de sua família, não cabe ao Estado impedir e sim garantir esse direito.”

 

No ano passado, por ato da Presidência da Câmara dos Deputados, foi criada Comissão Especial para analisar o PL 3722/2012. O relator da Comissão, deputado Cláudio Cajado, em dezembro de 2014, apresentou relatório acerca do PL, mas ele ainda não foi votado pela Comissão.

 

No substitutivo do relator, são previstas algumas mudanças no texto original do projeto, como por exemplo, a idade mínima de 25 anos para a compra de arma de fogo. Rogério Peninha previa a idade mínima de 21 anos. O relator também acha que o controle de armas de fogo em poder da população deve continuar centralizado na Polícia Federal. Caberia à Polícia Civil e aos órgãos estaduais e municipais somente o envio da documentação. Entre outras alterações, Cajado propõe a redução das taxas para registro de armas (R$ 50 para armas novas e R$ 20 para usadas) e para renovação do registro (R$ 20). Hoje em dia, nos três casos, o valor é de R$ 60.

 

Cajado, em seu relatório, mostra como ocorre o controle de armas de fogo em outros países e compara taxas de homicídios por arma de fogo em relação aos proprietários. Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, é o país com maior relação de armas de fogo por pessoa e apresenta taxa de 3% de homicídios por arma de fogo por cem mil habitantes, contra 18,10% no Brasil. Nos EUA, a média de armas de fogo por cem pessoas é 88,8 e, no Brasil, 8.

 

De acordo com a Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, “o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido”. Lá, os estados são autônomos para legislar sobre o assunto. Na maioria, o uso de armamentos pessoais são permitidos e a venda, em vários Estados, é realizada sem necessidade de registro ou autorização de autoridades.

 

No Brasil, o controle de armas de fogo em poder da população é realizado pelo Sistema Nacional de Armas (SINARM), instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal. No caso de profissionais de segurança pública, o porte é concedido através das próprias instituições.

 

O assunto foi retomado nesta legislatura e aguarda a designação de um novo parlamentar para relatoria dos projetos na comissão, em substituição ao deputado Claudio Cajado.

 

O Supremo Tribunal Federal, no final do ano passado, emitiu decisão de que “o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos aposentados”. Essa decisão foi baseada no artigo 33 do Decreto nº 5.123/2014, que regulamentou a lei do desarmamento.

 

No início de 2015 A Diretoria Executiva do Departamento de Polícia Federal (DIREX/DPF) deu parecer favorável à proposta que altera o prazo de validade do porte e do certificado de registro de arma de fogo para os delegados aposentados. O pedido foi feito pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), em ofício enviado à Diretoria-Geral da Polícia Federal.

 

A proposta traz a alteração do prazo de renovação do porte de arma que atualmente é de três anos e com a nova medida passaria para cinco anos. Atualmente essa exigência é cumprida por ocasião da substituição da identidade funcional de aposentado. O chefe da Divisão Nacional de Armas (DARM), Tony Gean de Castro, por ofício, se mostrou favorável à extensão do prazo, explicando que isso traria “redução de custos sem prejudicar o controle de armas em circulação no País”.

 

Os documentos que embasam a decisão, que regulamenta a Lei Nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), já estão com o Poder Executivo. A EM 109/2014 encontra-se em trâmite na Casa Civil da Presidência da República, enquanto a EMI 74/2013 encontra-se pendente de assinatura no Ministério da Fazenda.

 

Além disso, a ADPF está trabalhando junto ao Congresso Nacional no Projeto de Lei (Nº 4.821/2012) para garantir a isenção da taxa de registro e porte de armas entre policiais aposentados.