Prisões Infantis

11 de dezembro de 2007 12:58

Um pacote de biscoito, 25 cigarros, alguns chicletes e R$ 20 levaram Welton*, 17 anos, a 57 dias de internação na unidade de cumprimento de medidas socioeducativas de Luziânia (GO). O jovem, morador de Céu Azul, no Entorno do Distrito Federal, participou, no início do ano, de um assalto à mão armada em uma padaria da cidade, acompanhado de três amigos. Ele não portava o revólver calibre .38 usado no crime e era a primeira vez que contrariava a Justiça.
Assim como a adolescente de 16 anos que ficou presa durante 27 dias em uma cadeia de Abaetetuba (PA), dividindo a cela com homens, Welton teve seus direitos violados. Além de apanhar dos policiais militares que o abordaram depois do assalto, o rapaz conta que ele e os três amigos passaram duas noites no corró  a solitária da delegacia comum para onde foram levados antes de serem encaminhados a Luziânia. Era um cubículo sem janela. Não dava nem pra deitar. A comida era tão ruim que eu não quis a marmita, diz.
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, tratado do qual o Brasil é signatário e que completou 18 anos no mês passado, traz dois artigos sobre adolescentes em conflito com a lei. A recomendação das Nações Unidas é de que o menor que cometeu um crime tem direito a ser tratado de forma digna. O documento também explicita que a privação da liberdade deve ser o último recurso na aplicação de medidas socioeducativas.
O Brasil está na contramão do tratado. O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (Sedh), mostra que, de 2002 a 2006, o número de adolescentes internados em unidades de recuperação aumentou 28%. No Distrito Federal, a variação foi de 15,8% no período. Com o crescimento da quantidade de menores enclausurados, o déficit nas unidades era, no último levantamento da Sedh, de 3.396 vagas.

Sem defesa
No Brasil, o tratamento judicial dispensado aos adolescentes infratores desrespeita a lei. Eles não têm direito à defesa, critica Wanderlino Nogueira, procurador de Justiça e consultor da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced). Segundo o procurador, a implementação de medidas em meio aberto praticamente não existe, assim como a aplicação da Justiça Restaurativa.
Pelo que tenho visto, o país está bem longe de cumprir com as obrigações legais com as quais se compromete. A internação ocorre por falta de alternativas, não tem uma política pública eficaz que atenda os meninos no regime aberto, critica Conceição Paganele, presidente da Associação de Mães e Amigos da Criança Adolescente em Risco (Amar).
Na opinião de Karina Ilanud, consultora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e ex-diretora do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, o Judiciário brasileiro ainda é muito conservador. A privação de liberdade ainda é a medida mais difundida. Alguns atos infracionais que não foram cometidos com violência acabam recebendo essa punição do Poder Judiciário, que alega inexistência de outros programas, diz. Para ela, também faltam varas e delegacias especiais, voltadas ao público infanto-juvenil, uma exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na semana passada, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que une sociedade civil e Executivo, aprovou, na sétima edição da conferência nacional da área, medidas voltadas ao adolescente infrator. Entre elas, a prioridade na aplicação de penas em meio aberto, a construção de unidades com estrutura adequada e a elaboração de planos municipais de medidas socioeducativas, conforme prevê o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, ainda não implementado.

O perfil do infrator
Negro, pobre e com pouca instrução. Essa é a cara do adolescente infrator brasileiro, de acordo com o estudo da Sedh. Dos cerca de 15 mil jovens internados em unidades de privação da liberdade, 60% são negros, 80% pertencem a famílias que vivem com até dois salários mínimos, 90% não terminaram o ensino fundamental e 51% não iam à escola.
Carlos*, 17 anos, foi preso com Welton depois de assaltar a padaria de Céu Azul. Foi a segunda internação do rapaz  no ano passado, ele ficou um mês na unidade de cumprimento de medida socioeducativa por furtar pedestres na rua. Cursava a 3ª série do ensino fundamental e ainda não sabia ler e escrever corretamente. Órfão de pai, ele mora com a mãe, catadora de lixo, e seis irmãos. A única renda fixa vem da pensão paterna: R$ 500 mensais.
Depois de dois meses encarcerado com outras quatro pessoas na mesma cela  incluindo um jovem condenado por latrocínio , Carlos foi beneficiado pela liberdade assistida. Durante um ano prestará serviços a uma escola municipal. Nos tempos de internação, o que mais o incomodava era a saudade da família. Minha mãe chorava muito. Também sentia falta de estar do lado de fora, diz.
De acordo com Welton, na unidade de internação havia poucas atividades para ocupar os jovens, que ficavam livres das celas das 11h às 15h e, depois disso, voltavam ao cárcere. O levantamento da Sedh mostrou que 71% das unidades de privação da liberdade têm ambiente físico inadequado, 52% não possuem posto médico e 40% não oferecem escola.

“O país está bem longe de cumprir com as obrigações legais com as quais se compromete”, Conceição Paganele, presidente da Amar

Os nomes são fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente