Prostituição de exportação
O envolvimento de uma brasileira no escândalo sexual que resultou na renúncia do ex-governador de Nova York Eliot Spitzer, semana passada, chamou atenção para um antigo e cada vez mais grave problema: o tráfico de mulheres, principalmente de famílias de baixa renda, para o mercado da prostituição no exterior.
A situação é tão grave que, só neste momento, estão em curso na Polícia Federal sete investigações internacionais sigilosas de combate ao recrutamento de brasileiras para prostíbulos de Espanha, Suíça, Itália e Portugal.
As investigações estão sendo conduzidas por policiais da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal em parceria com colegas dos quatro países. Elas resultarão em operações programadas para este ano, que, segundo fontes da corporação, devem levar à prisão pelo menos 40 pessoas no Brasil e no exterior.
O número de operações previstas é mais do que o dobro das três grandes ações lançadas no ano passado.
As investidas do ano passado as operações Sodoma, Onças e Sabinas levaram 20 suspeitos à cadeia. Esses dados não levam em conta casos isolados em que a polícia, a partir de investigações locais, prende acusados de aliciamento de brasileiras. A PF estima em 200 o número de inquéritos menores em andamento para apurar denúncias de recrutamento ilegal de brasileiras para bordéis europeus.
Só em Goiás, epicentro do tráfico, a PF tem 60 inquéritos e 27 investigações preliminares sobre quadrilhas de aliciadores.
Não há dados oficiais sobre a participação de brasileiros no mercado do sexo internacional.
Mas levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad), em 2003, indicava que mais de 70 mil brasileiras que deixaram o país se prostituíam. A PF costuma usar esse número como referência, mas acredita que ele seja maior. No mapa desse comércio ilegal, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro figuram, nesta ordem, como os principais fornecedores de mulheres.
Recentemente, a PF detectou uma mudança gradativa desse mercado. Mato Grosso e Tocantins entraram nas principais rotas do tráfico.
Boa parte das mulheres aliciadas pelas quadrilhas desbaratadas nas últimas operações tinha como origem os dois estados.
Talvez porque são estados que fazem fronteira com Goiás, tradicionalmente o estado com o maior número de casos de aliciamentos diz o delegado Felipe Tavares Seixas, chefe da Divisão de Direitos Humanos da PF.
R$ 5 mil por brasileira importada por bordéis
O mapa da prostituição traçado pela PF revela ainda o crescimento do tráfico de mulheres do Pará e do Amazonas para prostíbulos em áreas de garimpo do Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Venezuela. Donos de bordéis dessas regiões pagariam, em média, R$ 5 mil por cada brasileira importada. O valor é três vezes inferior ao que é pago, em média, por prostíbulos da Europa, algo em torno de R$ 15 mil, segundo informações dadas por aliciadores presos.
As investigações mostram que as quadrilhas são, em geral, formadas por donos de bordéis, agentes de viagem e vítimas do próprio tráfico. Grande parte tem outra atividade e recorre ao comércio de mulheres para complementar a renda ou turbinar os lucros de seu negócio principal. A atuação das quadrilhas também segue um padrão. Donos de bordéis na Europa, em geral, enviam emissários para contratar aliciadores no Brasil.
Os aliciadores são, quase sempre, mulheres que um dia foram aliciadas. Elas têm mais facilidade de se aproximar das vítimas e fazer uma proposta para trabalhar no exterior. Os agentes de viagens são solicitados para indicar as melhores rotas. Em geral, as brasileiras são levadas primeiramente para países com poucas chances de deportação, como os do leste europeu. De lá, seguem para cidades onde a prostituição é mais aquecida, como Madri, Barcelona, Lisboa, Porto, Zurique, Milão e Roma, entre outras.
Em solo europeu, elas descobrem que têm com os empresários da noite uma dívida, que inclui o preço da passagem aérea e os custos de hospedagem e alimentação. Muitas têm os passaportes retidos, e assim ficam presas aos seus novos donos.
Numa tentativa de reforçar o trabalho da PF, o governo federal lançou, em 2006, a Política Nacional de Enfrentamento de Tráfico de Pessoas.
É composta de ações de repressão, prevenção e atenção às vítimas. Como parte dessa política, diplomatas brasileiros estão sendo orientados a defender os direitos de brasileiras vítimas do tráfico no exterior.