Quase metade dos delegados não vê independência na PF, diz pesquisa
Um levantamento entre delegados da Polícia Federal divulgado nesta terça-feira (2) revela que quase a metade deles considera que o órgão não tem independência para investigar. Questionados sobre o assunto, responderam assim 46,5% entrevistados na pesquisa, realizada pelo instituto Sensus a pedido da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).
O percentual dos que veem independência é de 48,8%; não souberam ou não quiseram responder 4,7%. Como a margem de erro é de 3%, o resultado aponta uma divisão na percepção sobre a independência na categoria mais alta da PF.
Foram ouvidos 695 delegados (num contingente de 1.700) em todos os estados do país, entre abril e março deste ano. O G1 procurou o Ministério da Justiça, que comanda a PF, para comentar os dados da pesquisa. A assessoria de imprensa da pasta, porém, não respondeum à solicitação até a publicação desta reportagem.
Questionado pelo G1 sobre os motivos dessa percepção, o presidente da ADPF, Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, afirma que investigações muitas vezes são prejudicadas porque não há estabilidade do delegado na investigação, o que permite que ele possa ser substituído a qualquer momento.
"Se a Polícia Federal faz uma investigação que desagrade o governo, é o tempo de assinar a exoneração do delegado para que ele perca o cargo", diz. "O governante pode dizer `vou tirar esse delegado e colocar outro`", diz.
O delegado cita como exemplo o caso do ex-delegado e atual deputado federal Protógenes Queiroz (PC do B-SP). Ele foi afastado da Operação Satiagraha, que investigou supostos crimes financeiros do banqueiro Daniel Dantas. "Tirou porque incomodou alguém. Tem que ter uma lei que dê tranqüilidade à investigação para não surgir conjecturas".
Segundo o delegado, também interfere no poder de investigação e independência do PF a ausência de prerrogativa para que outros órgãos forneçam documentos solicitados pela instituição com fins de investigação, como bancos, provedores de internet, universidades. "A lei poderia ajudar a trazer instrumentos para a investigação", defende.
Sem direcionamento político
Questionado se houve direcionamento político nas investigações Monte Carlo e Vegas, que investigaram a rede de jogos ilegais atribuída ao contraventor Carlinhos Augusto Ramos, conhecido como Cachoeira, bem como sua influência junto a agentes públicos, o delegado sustenta que não, uma vez que as investigações atingiram partidos governistas e da oposição.
"Nas operações Vegas e Monte Carlo, pegaram segmentos do governo e da oposição ao mesmo tempo. Internamente a cultura da PF não permite um direcionamento", afirma.
O delegado cita como exemplo o caso do ex-prefeito de Palmas, Raul Filho, do PT, assim como autoridades flagradas em gravações supeitas do Distrito Federal (administrada pelo PT) e de Goiás (governado pelo PSDB).
"Haverá desdobramentos de outros partidos políticos, de outros estados, em fatos de investigações que ainda estão em sigilo", disse. "A dinâmica dessa operação não terminou. Envolve uma grande construtora que tem desdobramento em diversos segmentos de governo e oposição. A vítima imediata por questão política do Senado foi Demóstenes, mas outras pessoas ainda estão em processo de investigação".
Lei Orgânica
O presidente defende a implementação de uma Lei Orgânica, prevista no projeto de lei 6493/2009, que funcionaria como um estatuto da PF e definiria o funcionamento e a organização da instituição. "Não tem Lei Orgânica. A PF é regulamentada por decreto e portaria do Ministério da Justiça." A proposta, segundo o presidente, daria maior proteção para a polícia.
Com a lei, a PF não ficaria mais a critério de governantes, mas sim do que está estritamente na lei. "A PF está burocratizada. É difícil de funcionar e tem uma série de filtros que prejudicam o funcionamento do órgão", afirma. Ele afirma que a Polícia Federal é "extremamente dependente do Ministério da Justiça", principalmente em questões administrativas.
"O sentimento que a pesquisa captou é que a PF, delegados, só vão se sentir verdadeiramente uma polícia republicana, com autonomia, no dia que tiver a Lei Orgânica", disse.
Pesquisa
Na pesquisa do instituto Sensus, a esmagadora maioria dos entrevistados (90,6%) se declarou comprometida com a carreira; 81,9% avaliam positivamente a instituição e 42,2% afirmam ter ingressado na corporação por vocação.
O delegado avalia que os delegados, em geral, estão satisfeitos mas consideram o desempenho do órgão mediano, mas continuam no orgão "porque gostam".
Um dos problemas apontados, entretanto, está na baixa nota dada a assistência psicológica: 3,7%. Segundo Leôncio, há diversos casos de suicídio, alcoolismo e depressão entre delegados do órgão. "É uma carreira de pressão, são pessoas que andam armadas e sofrem stress profissional muito grande. Precisam sem dúvida nenhuma de assistência psicossocial".
Leôncio afirma que não há profissionais, psicólogos ou serviço médico especializado para atender aos delegados. Segundo ele, a burocracia inviabiliza a liberação de recursos.