Quem pode investigar?

22 de abril de 2013 10:59

A PEC 37 está no centro de debates em todo o país. Enquanto o Ministério Público se mostra contrário a proposta, por entender que ela limita poderes de investigação de entidades não policiais, as polícias judiciárias (Federal e Civil) defendem que a PEC apenas regulamenta o que a Lei já determina: cabe a polícia judiciária investigar e ao Ministério Público supervisionar o trabalho policial, propor diligências e acolher ou não a denúncia. Para o Diretor Regional da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal do Mato Grosso do Sul, Antonio Carlos Knoll de Carvalho, o debate começou truncado.
 
Confira na entrevista.
 

Recentemente o trabalho conjunto da Polícia com o Ministério Público (MP) possibilitou o desmascaramento de uma máfia que atuava no Hospital do Câncer em Campo Grande (MS). Diante do que prega a PEC 37 um trabalho como este seria possível?

Sim, seria totalmente possível. O trabalho conjunto da polícia e do Ministério Público (MP) ele não é impedido pela PEC. O que a PEC visa é delimitar a titularidade da investigação criminal, que é da polícia. Mas, a polícia sempre trabalha sob o controle externo do MP. A tramitação de um inquérito, onde é formalizada a investigação, sempre é submetida ao MP, que tem o poder de requisitar diligências dentro deste inquérito. O MP também pode requisitar o início de uma investigação. Este tipo de trabalho não vai ser impedido.

Por que tornar explicita na Constituição a competência privativa das polícias Federal e Civis de promover investigações criminais?

Alguns afirmam até que isso não seria necessário, visto que a previsão da Constituição já é de que quem deve fazer a investigação criminal são as polícias judiciárias, a Civil e a Federal (PF). O MP passou a fazer investigação a partir da Constituição de 88, sem que houvesse previsão constitucional ou legal. Durante a constituinte se tentou incluir este poder investigativo para o MP e isso foi rejeitado. O fato é que o MP não tem o poder de investigar.

A autoria da PEC 37/11 é do deputado Lourival Mendes (PT do B-MA), um delegado da Polícia Civil. A categoria, por meio da sua representação parlamentar, não estaria agindo de forma corporativa?

Não é um processo corporativo. É um processo para que as coisas sejam colocadas em seus devidos lugares. Já que o MP está exercendo uma função que não lhe cabe, se propôs esta PEC para que isso fique explícito e cesse a discussão nos tribunais sobre se é ou não permitido ao MP investigar.

O deputado federal Fabio Trad (MPDB-MS) propôs em sua relatoria – e foi voto vencido – um novo modelo de protagonismo investigatório no qual Polícia e MP atuariam em conjunto na investigação de crimes praticados por agentes públicos e políticos, bem como de infrações contra a administração pública e praticados por organizações criminosas. Era uma saída equilibrada?

No seu substitutivo, ele apresentou um parágrafo em que prevê uma ação subsidiária do MP. A ideia que ele passa é de que o MP continuaria agindo como já age hoje, junto com a polícia. Mas quando você lê o texto do substitutivo não é bem assim. Ali, ele dá a ideia de 
que o MP poderá agir com exclusividade em algumas investigações. Vale lembrar que a improbidade administrativa continuará sendo objeto de investigação do MP. Isso é feito por meio de Ação Civil Pública e não de inquérito policial. A melhor ferramenta para a investigação destes casos continua nas mãos do MP.

Aprovada a PEC, como ficarão todos os casos investigados pelo MP?

Na proposta da PEC há um parágrafo que convalida as investigações até então efetuadas pelo MP, até para que não haja prejuízos. Não há motivo para imaginar que as investigações feitas até agora serão questionadas. Pelo texto da PEC, o que foi feito até então será convalidado e do ponto da aprovação da PEC em diante haveria uma nova prática dentro da legalidade.Repito: de fato, o MP exerce, na prática, um poder que, constitucionalmente, ele não tem.

O inquérito policial não virou uma peça antiquada e ineficaz?

Não concordo. Uma investigação tem que ter algum mecanismo de formalização dos atos. O inquérito policial é este mecanismo. Você não pode fazer uma investigação sem registro, até para a garantia da pessoa que é objeto de uma investigação. É preciso estar formalizado, dentro de uma sequencia lógica. O inquérito é uma fase anterior ao processo na justiça que funciona até para a garantia da própria defesa. É um bom instrumento de investigação.

Há quem diga que o MP age com o intuito de condenar enquanto a polícia teria uma postura neutra. É isso?

O inquérito visa apurar fatos e não condenar. Você tem um fato que precisa ser averiguado quanto sua autoria e materialidade. É isso que busca o inquérito policial. Esta é a diferença. No inquérito policial, o delegado vai atuar em busca da verdade dos fatos. O MP age como acusador, quando tem que agir na etapa seguinte. Estas funções não devem se misturar, até sob a pena de haver um desequilíbrio entre acusação e defesa. Você concentra um poder muito maior nas mãos da acusação. O inquérito policial é uma garantia para que o cidadão não seja processado sem elementos mínimos contra ele.

O Ministério Público reagiu à PEC 37 e faz campanha pela sua rejeição batizando-a de "PEC da Impunidade". Procede?

Absolutamente mal colocado. Isso é uma forma de marketing para vender o peixe deles. Fazer uma campanha em que você vai às ruas e pergunta se o cidadão é a favor da impunidade é distorcer o debate. Eles se mostram como os guardiões do combate a impunidade e a corrupção? A atuação da PF nos últimos anos demonstra que o órgão é extremamente capacitado e pode perfeitamente combater os crimes de corrupção, de colarinho branco, que são os que o MP diz que só podem ser combatidos por ele. De modo algum. Nenhuma outra instituição fez tantas investigações incomodando a classe política, as classes dominantes, do que a PF, investigando quaisquer instituições, independente de posicionamentos políticos.

Segundo o Ministério Público, a PEC 37 também impede investigações pela Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Banco Central e Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda. Está correto?

Este é outro absurdo. Estes outros órgãos não terão em nada alteradas suas funções de processo administrativo. A Receita Federal, quando detecta sonegação fiscal, ela faz uma representação para fins penais e isso é encaminhado para a polícia, que faz a apuração policial. O INSS, que detecta em seus procedimentos administrativos que está havendo sonegação previdenciária, continuará agindo assim. A Controladoria Geral da União continuará exercendo seu papel. A imprensa também. Não muda nada. A PEC é específica, trata de investigação criminal. Todo trabalho destes órgãos desagua em um inquérito ou, se não for necessário, direto no MP.

A Polícia Federal tem denunciado o desvio de função da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Militar (PM). Qual o problema?

A PRF tem fugido de suas atribuições ao participar de investigações e cumpri diligencias nas cidades. A função da PRF é trabalhar nas estradas, combatendo a criminalidade que está vinculada a sua atribuição, coisa que ela faz com competência. Quando a PRF faz investigação e vem para a cidade fazer diligência ela deixa de cumprir a fiscalização das estradas e de garantir a segurança do cidadão nas pistas. A PM tem sido utilizada – como, por exemplo, com o Gaeco – para funções que parecem estar fora de sua função de polícia ostensiva. No âmbito estadual, quem tem que atuar como polícia judiciária, e fazer investigação é a Polícia Civil.

A população, de forma geral, pensa da seguinte forma: não importa quem investiga desde que as investigações ocorram e os criminosos presos. Como argumentar diante deste posicionamento?

O que se alega é que a polícia não tem estrutura para investigar determinado tipo de crime. Então, que se dê estrutura para a polícia. O MP pode atuar neste sentido, propondo uma Ação Pública para cobrar do executivo melhores condições para a polícia.                   

Há a questão, também, de quem investiga o investigador…

Sim. A polícia, quando investiga, o faz sobre o controle do MP. Quando o MP investiga, ele não se submete a controle externo nenhum. Quem controla o MP? É melhor ter um órgão que investiga baseado em lei, amparado por uma normativa constitucional, submetido ao controle externo de outro órgão (no caso o MP), ou ter um órgão que, sozinho, detém a exclusividade da investigação, sem atender a normativas e controle externo? Me parece muito mais razoável, e favorável ao Estado Democrático de Direito, que tenhamos um órgão submetido ao controle de outro e realizando a investigação.

Em relação à formação para a investigação, o MP passa por isso?

As policias tem sua formação específica para trabalhar a investigação. Desde o início de sua formação o policial passa por este preparo. O MP, que sem dúvida é composto por pessoas extremamente qualificadas, não tem esta preparação específica. São extremamente qualificados para exercer seu papel na fase judicial.

Então, não é realidade que, aprovada a PEC, haverá uma lacuna nas investigações de casos emblemáticos?

Não, até porque muitos casos que são divulgados como oriundos do MP são, na verdade fruto do trabalho da PF. O que não se quer é um órgão com poder exclusivo de investigar sem se submeter a controla algum. Hoje o trabalho é conjunto por força de lei. Nós investigamos e o MP fiscaliza e requisita diligências. Quem quer a exclusividade da investigação, quem quer investigar lançando mão da PM e da PRF, por parecer não querer trabalhar em conjunto com as policias judiciárias, é o MP. A PEC quer apenas manter a estrutura que hoje existe e funciona perfeitamente.