Reforma do Código de Processo Penal pode se arrastar no Legislativo

28 de fevereiro de 2011 12:21
Resistente às diversas tentativas de mudança, o Código de Processo Penal, editado por um decreto-lei em 1941, durante o Estado-Novo, divide a opinião de juristas e advogados, agora que volta a ser discutido na Câmara dos Deputados. As modificações na legislação estão propostas em dois projetos de lei, que serão analisados a partir de março por uma comissão especial. Os textos, apesar de divergentes em alguns pontos, favorecem, segundo especialistas, os criminosos de poder político e econômico.

O primeiro é o código elaborado por uma comissão de juristas e aprovado pelo Senado no fim do ano passado. O segundo (PL 7.897/10) foi apresentado pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), a pedido do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Esse último, por exemplo, prevê somente o sequestro de bens de origem ilícita. A indisponibilidade de bens e recursos é tida como prioridade por representantes do Ministério da Justiça no combate ao crime organizado. O governo sustenta a posição de que é preciso retirar os recursos financeiros dos criminosos para “sufocar” as atividades ilegais. No entanto, a proposta defende apenas o sequestro daqueles bens obtidos pelo crime como medida cautelar, ao contrário do projeto dos juristas que inclui a indisponibilidade dos bens do acusado — lícitos ou ilícitos. Um dos entraves da proposta seria exatamente distinguir quais produtos são originários do crime.

A regulação das interceptações telefônicas é outro ponto polêmico da matéria. O projeto dos advogados prevê escutas por no máximo 30 dias e para aqueles crimes com pena máxima superior a um ano. Ficariam de fora, por exemplo, as investigações de fraude em licitações. A interceptação só poderia ser prorrogada uma vez, exceto nos crimes permanentes. O texto, aprovado no Senado, também restringe as escutas. Estabelece prazo de 60 dias, prorrogáveis por um ano. Desde a instalação da CPI das Escutas, governo e sociedade cobram uma alteração na lei que hoje prevê grampos para crimes com pena de reclusão, mas não estabelece prazo. A medida tenta coibir abusos e aumentar o controle das escutas. No Ministério Público, autor de pedidos de interceptação, há consenso sobre a necessidade de estabelecer limites. As críticas dos representantes da categoria estão na rigidez das propostas.

Ineficiência
“Não vejo grandes resoluções na reforma do Código. Tenho receio de que piore”, afirma o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Wellington Cabral, que defende um debate mais amplo. Segundo ele, o processo penal atual é ineficiente e as alterações propostas não conseguiram resolver esse problema. “É eficiente contra as pessoas comuns e ineficiente contra outros. É um processo seletivo.”

O novo código também passa a não aceitar provas obtidas direta ou indiretamente por meio ilícitos. Provas emprestadas são vetadas no projeto de lei dos advogados. “É um projeto que defende as garantias individuais”, afirma o deputado Miro Teixeira. O texto dos advogados, apesar de ampliar a lista de medidas cautelares, elimina o monitoramente eletrônico.

Para o juiz Luis Gustavo Gandinetti de Carvalho, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a reforma no código promete um processo penal mais democrático. “A parte ré tem os mesmos direitos da autora. O princípio do contraditório não estava na proposta atual feito em 1941”. Mesmo com as atualizações feitas nos últimos anos, a lei também não está adaptada aos tratados internacionais referentes aos direitos humanos assinados pelo Brasil.

Para o juiz, a maior dificuldade será quebrar a resistência e o comportamento das pessoas. “As alterações exigem do juiz uma imparcialidade com que não estamos acostumados”, completa.

Dois juízes
No ano passado, a polêmica ficou por conta da criação, no projeto aprovado no Senado, da figura do juiz das garantias. Ele seria responsável por atuar na investigação criminal e não poderia atuar no mérito. Cabe ao juiz das garantias analisar pedidos de quebra de sigilo, busca e apreensão, prisão provisória e escutas. Considera-se que pode haver quebra de imparcialidade. Por isso, a necessidade de um segundo juiz.

“Já existe uma avaliação da própria magistratura de que é inviável para o Brasil. Os processos ficariam travados aguardando que um juiz itinerante passasse na comarca para dar um impulso. É absolutamente irreal”, condena o vice-presidente da ANPR, Wellington Cabral.

Levantamento da Consultoria Legislativa do Senado aponta que seriam necessários, no mínimo, mais mil juízes nos tribunais de Justiça. Em 21 estados, há pelo menos 1.150 comarcas com apenas um magistrado. O problema é mais grave no interior do país. O deputado Miro Teixeira engrossa o coro. “Todo juiz é um juiz das garantias.”

Representante da AMB, o juiz Luis Gustavo Carvalho acredita que não seria preciso criar a figura de um novo juiz. “É bom que se faça novos concursos, convoque novos juízes, mas a rigor não é necessário”, diz.

Demora
Algumas modificações foram feitas recentemente no código. Já foram instituídas pelo menos cinco comissões de juristas para elaborar projetos de lei. O contexto político, pedidos de retirada de pauta e a morosidade na tramitação das propostas foram os principais motivos para a reforma não sair do papel.

Sentença
O projeto dos advogados altera ainda formação do Conselho de Sentença. O júri passa a ser composto por oito jurados maiores de 21 anos. Atualmente, são sete maiores de 18 anos.