Relator do STF deve pedir ação penal contra os 40 do mensalão

23 de agosto de 2007 09:40

O julgamento do pedido de ação penal contra os 40 investigados no escândalo do mensalão apenas começou, mas já indica que o relator vai requerer e os outros nove ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem apoiar a abertura de processo. A largada foi dada ontem, pelo ministro e relator Joaquim Barbosa, que leu as acusações contra os suspeitos de terem montado uma organização criminosa de alta influência política. Segundo o Ministério Público, o grupo teria comprado apoio no Congresso, feito negócios em paraísos fiscais e loteado cargos.

A maior denúncia criminal levada ao STF foi apresentada há 17 meses. A demora anima os investigados, escorados no foro privilegiado para evitar ou adiar a punição. A denúncia do procurador-geral da Justiça, Antonio Fernando de Souza, é incisiva. Lista 7 crimes – peculato, corrupção ativa, falsidade ideológica, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Chama o ex-ministro José Dirceu de chefe da quadrilha .

A defesa dos 40 acusados também foi dura, considerando a peça do Ministério Público sem fundamento, inepta, falha, vaga, ficcional e imprestável. O advogado de Dirceu, José Luiz de Oliveira Lima, foi o primeiro a falar: Vi afirmações vagas , frisou.

O Palácio do Planalto entrou em cena com tom mais ameno, apesar de o escândalo, à época, ter abatido seus homens fortes e o comando do PT. O governo espera que se faça justiça sem paixões , assinalou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na avaliação do ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, o julgamento, que continua hoje, não respingará no governo .

Síntese reforça Dirceu como chefe
Barbosa cita trechos sobre loteamento de cargos, negócios em paraísos fiscais e distribuição de dinheiro a aliados

Leonencio Nossa e Eugênia Lopes

De forma enfática, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa abriu ontem o julgamento da denúncia do mensalão com a leitura das principais acusações do Ministério Público. Ele só deve apresentar o voto na sessão de amanhã, mas ministros e advogados avaliaram que ficou clara a tendência de aceitar o pedido de abertura de processo penal contra o deputado cassado José Dirceu e outros 39 indiciados por envolvimento na suposta organização criminosa que teria comprado apoio para o governo no Congresso. Os outros nove ministros – uma cadeira está vaga – devem acompanhar o voto do relator.

Veja especial sobre o julgamento

Barbosa não deixou de fora de sua síntese trechos da denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que definem Dirceu como chefe de uma quadrilha que teria loteado cargos no governo, feito negócios em paraísos fiscais e distribuído dinheiro público para aliados. Só os repasses ilegais por meio dos Bancos Rural e BMG teriam ultrapassado R$ 55 milhões em pagamento de dívidas partidárias, compra de apoio político e enriquecimento ilícito de autoridades.

A tendência é de que o plenário aprove a abertura da ação penal, o que deve ocorrer amanhã ou na segunda-feira. Na avaliação de um ministro, o Supremo não vai negar o pedido de um procurador responsável , que trabalhou em conjunto com a Polícia Federal e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios – que investigaram o mensalão. Ministros entendem que o ônus da acusação é do procurador e o tribunal só deve entrar no caso no julgamento dos réus, uma fase posterior.

A leitura do relatório de 46 páginas durou uma hora e 16 minutos. É relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas , destaca um trecho da denúncia escolhido pelo relator, numa referência ao parlamentar que deflagrou o escândalo. Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do governo.

O advogado de um dos indiciados, que já ocupou cargo no primeiro escalão, classificou de duras a leitura do relatório e a seleção de trechos da denúncia.

Antes da apresentação do relator, a presidente do STF, Ellen Gracie, negou pedido de adiamento do julgamento feito pela defesa de um dos acusados. A ministra teve de nomear defensores públicos para quatro que não constituíram advogados, entre eles o ex-deputado José Borba (PMDB-PR).

SUBMUNDO

Após a síntese do relator, foi a vez de o procurador-geral da República sustentar, por uma hora, a denúncia do Ministério Público. Souza disse que os repasses em espécie entre os integrantes da quadrilha foram feitos à margem dos procedimentos bancários mais seguros.

Tal descrição, típica do submundo do crime, revela a rotina vivenciada pelos denunciados por muito tempo , afirmou. Para o procurador, o mensalão não existiria sem que parte do governo estivesse envolvida. O mensalão não existiria se não tivesse integrantes do governo. E acrescentou: É fato público que Dirceu sempre teve e ainda tem grande importância nas decisões do PT.

Segundo o procurador, o publicitário Marcos Valério, suposto operador do mensalão, prestou apenas um serviço para um esquema que tinha como núcleo central Dirceu, Genoino, Delúbio e Sílvio Pereira. Disse que Valério e Dirceu mantinham relação próxima. E citou um jantar dos dois, em 2004, em Belo Horizonte.

Souza afirmou que o volume de dinheiro movimentado pelo esquema foi tão elevado que Simone Vasconcelos, indiciada que operava com Valério, chegou a pedir, numa oportunidade, um carro forte para transportar R$ 650 mil, que seriam distribuídos para beneficiários.

Ele questionou, ainda, o motivo de os indiciados abrirem mão de mecanismos bancários ágeis e optarem por transferir valores em espécie em pastas ou sacos de lona, em locais inadequados , como quartos de hotéis e bancas de revistas. Por que não fazer os acordos e implementá-los à luz do dia? Por que não agir às claras, como procedem as pessoas de bem? , argumentou, para concluir: Todos os denunciados participaram de ações ilícitas descritas na denúncia.

Na sessão histórica, cadeiras vazias
Apenas dois deputados foram assistir ao julgamento no Supremo

A maioria dos deputados e senadores ignorou ontem o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o pedido de abertura de ação penal contra 40 políticos e empresários acusados de envolvimento com o mensalão. Apenas dois parlamentares apareceram no Supremo: o ex-relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), e o líder do PSDB na Câmara, Antonio Carlos Pannunzio (SP).

Sobraram lugares no plenário durante a sessão, que não atraiu sequer estudantes de direito. Considerado histórico, o julgamento deve se estender até amanhã, quando os 11 ministros vão decidir sobre a abertura ou não de ação penal.

É impossível que a denúncia não seja acatada , afirmou Serraglio, que assistiu a parte da sessão do Supremo, que durou quase nove horas. Para ele, o julgamento não trará reflexos políticos para o governo.

O reflexo agora é mais externo. A população passa a se convencer de que temos instituições que merecem credibilidade , observou. Ele defendeu ainda agilidade nos processos contra os acusados, caso a denúncia seja acatada pelo Supremo, para evitar a prescrição dos crimes: O Brasil sofre do mal do formalismo. Quem tiver um grande advogado processualista pode levar isso por 20 anos.

Já Pannunzio espera que o julgamento ponha de novo em xeque o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que está em julgamento é a república do PT , disse.

A leitura do relatório e a apresentação da denúncia transcorreram em clima de total tranqüilidade. Foi tão calmo que o ministro do STF Eros Grau passou um bilhete para um dos advogados de defesa, colega de faculdade, comentando a invasão do prédio da Faculdade de Direito da USP. Voltamos à ditadura , escreveu.