Saídas para a crise nas penitenciárias brasileiras

28 de julho de 2017 15:17

O confronto entre integrantes de facções criminosas dentro de presídios nos estados do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, no início deste ano, evidenciou a crise do sistema penitenciária brasileiro, o qual, além de problemas com superlotação, insalubridade, falta de assistência à saúde e péssimas condições de higiene, sofre com o autogoverno dos detentos.

 

No dia 1º de janeiro, pelo menos 56 presos que cumpriam pena no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), foram mortos durante rebelião que durou 17 horas. Foi o maior massacre penitenciário desde a chacina do Carandiru, em outubro de 1992, em que 111 detentos morreram durante uma rebelião. Ainda em janeiro, um tumulto em uma penitenciária em Roraima teve como resultado a morte de 33 presos. Pouco tempo depois, uma rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, ceifou a vida de outros 26 detentos.

 

A crise se alastrou por presídios de outros estados brasileiros. No Paraná, no mesmo mês, pelo menos 28 presos fugiram e dois foram mortos. Em Santa Catarina, presos queimaram colchões e dez presos ficaram feridos pelas chamas; em São Paulo, uma rebelião no Instituto Penal Agrícola na cidade de Bauru, interior paulista, resultou na fuga de 200 presos; em Minas Gerais, detentos fizeram um motim no presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves.

 

A superlotação é um dos fatores que agravam a crise penitenciária. O Brasil é o quarto país com a maior população carcerária no mundo. Um problema que se arrasta há décadas. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o número de detentos triplicou entre 1999 e 2014, ano em que a população carcerária somou 622 mil, sendo 584,7 mil em prisões estaduais, 37,4 mil em carceragens de delegacias e 397 nas quatro prisões federais em funcionamento no país. Como o número de vagas existentes é menor – aproximadamente 371.892 –, faltam 203.531 vagas nas prisões do país.

 

Cerca de 40% dos mais de 600 mil presos no Brasil ainda não foram julgados. Segundo a ONG Conectas, muitos desses presos têm acesso restrito à Justiça, e, por terem cometido crimes sem gravidade, poderiam aguardar o julgamento fora da prisão.

 

O relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de 2014, mostra que o maior responsável pelo inchaço da população carcerária é o tráfico de drogas: 28% dos detentos respondiam ou foram condenados por crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio.

 

Tais números também atingem diretamente a população carcerária feminina. Dados do Depen apontam que, em 2000, havia 5,6 mil mulheres presas. Em junho de 2014, elas eram 37,3 mil, uma alta de 567% – sendo que a maioria foi detida por tráfico de drogas.

    

Diante das chacinas nas penitenciárias estaduais, o governo federal e o Ministério da Justiça anunciaram, em janeiro, uma série de medidas para conter a violência e a superlotação dos presídios. Dentre elas está a criação de um Grupo Nacional de Intervenção Penitenciária, que visa à atuação das forças policiais federais e estaduais dentro dos presídios, à construção de novas penitenciárias federais e à realização de mutirões judiciais para julgamento dos detentos em regime provisório – uma iniciativa já implementada, mas que acontece de maneira inconstante.

 

“Diante do nosso atual sistema judiciário e as condições de superlotação, a construção de novos presídios é realmente necessária, mas, enquanto acharmos que o encarceramento é a melhor alternativa para solucionar os demais problemas sociais, a construção de presídios sempre será necessária”, afirma Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz.

 

De acordo com ele, a falta de informações e dados acerca da realidade interna do sistema prisional assusta. “O governo precisa ter a real consciência e controle do que acontece dentro dessas penitenciárias, que atualmente são verdadeiros escritório para criminosos, ou o problema continuará a se agravar”.

 

Ivan Marques enfatiza que o novo Plano Nacional de Segurança é uma alternativa que traz muitos pontos positivos e negativos para a questão da crise carcerária. “Priorizar crimes como homicídio e feminicídio é um grande avanço, mas ainda carece de atenção às medidas preventivas”.  

 

Especialização

 

É unânime, entre os  representantes dos profissionais da área Segurança Pública, a opinião de que é preciso dar melhor ao quadro de funcionários destinados à administração dos presídios. A principal reivindicação é a especialização dos agentes penitenciários.

 

O tema chegou a ser discutido em reunião do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), em fevereiro. Na ocasião, o diretor-executivo da Polícia Federal, Delegado Federal Rogério Galloro, afirmou que não adianta construir novos presídios sem a correspondente qualificação dos trabalhadores responsáveis. “Seria o mesmo que construir hospitais sem que haja equipamentos, médicos e enfermeiros suficientes. É um gasto inútil”.

 

Ressocialização

 

Os especialistas em segurança pública também concordam em outro ponto: Apenas medidas eficazes de reabilitação e ressocialização do detento serão capazes de pôr fim à crise do sistema penitenciário federal. As penitenciárias federais já contam com projetos voltados para a resolução desse problema.

 

Um deles é o “Projeto Remição pela Leitura”, por meio do qual a população carcerária pode ter a sua pena reduzida a partir da leitura de livros. Cada detento pode ler uma obra por mês, seja ela literária clássica, científica ou filosófica. A escolha é feita de acordo com a disponibilidade da unidade prisional.

 

O prazo para a leitura é de 21 a 30 dias, sendo apresentada no final deste prazo uma resenha crítica sobre o tema, o que pode resultar na remição de quatro dias de sua pena. Há a possibilidade de remir até 48 dias por ano, de acordo com a capacidade gerencial da Unidade.

 

Sistema Penitenciário Federal

 

    As penitenciárias federais, também conhecidas como presídios de segurança máxima, foram criadas em 2006 com a responsabilidade de isolar detentos considerados de alta periculosidade, como líderes de facções criminosas, prisioneiros violentos e presos responsáveis por ato de fuga ou grave indisciplina no sistema prisional de origem.

    

Também podem ser alocados nas penitenciárias federais réus colaboradores presos ou delatores premiados. O propósito é manter o bom funcionamento das penitenciárias estaduais. O Brasil conta com quatro das cinco unidades penitenciárias federais previstas pelo projeto inicial do governo federal. Elas ficam nas cidades de Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN) e, juntas, abrigam hoje cerca de 500 detentos.

    

Os presídios federais são diferentes dos estaduais não só pelo alto investimento na construção de sua estrutura física, mas também pela gestão e a prioridade à sua inteligência e mecanismos de controle internos para evitar, por exemplo, o uso de celulares pelos detentos. Estes são monitorados 24h por câmeras de vídeo em celas isoladas.