Se houver intimidação e interferência vamos resistir, avisam delegados da PF
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Carlos Eduardo Sobral, afirma que a categoria não vai aceitar interferência nos seus trabalhos mesmo se houver mudança de governo caso o Senado ratifique o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Se houver qualquer tentativa de intimidação e interferência nós vamos resistir e chamar a população para o lado da Polícia Federal”, disse Sobral em entrevista ao Estado.
Natural de Taquaritinga, no interior do Estado de São Paulo, Sobral é delegado da PF desde 2003 e aos 38 anos está à frente da ADPF. Ao Estado, ele falou sobre como a categoria vê o conturbado momento político, admitiu preocupação com eventuais interferências políticas e defendeu a permanência do atual diretor-geral da entidade escolhido por José Eduardo Cardozo no primeiro mandato de Dilma, Leandro Daiello, mesmo com uma eventual mudança de governo. “Nosso receio agora é de que o mundo político interprete que errou ao apoiar a construção de uma Polícia Federal forte e que haja um retrocesso”, disse. Confira a entrevista na íntegra:
ESTADÃO: A provável mudança de governo, conduzida em grande parte por parlamentares investigados na Lava Jato e por outros escândalos e que pode levar um nome delatado duas vezes na Lava Jato à Presidência, ameaça a atuação da Polícia Federal?
DELEGADO CARLOS EDUARDO SOBRAL:Infelizmente a Polícia Federal ainda não tem a sua autonomia prevista na Constituição da República. O nosso diretor-geral não tem mandato, pode ser demitido a qualquer tempo. A saída do diretor-geral implica na mudança de mais de 200 delegados que exercem função de chefia, de coordenação.
Então uma mudança de governo traz um risco, primeiro pela pela possibilidade de paralisação do órgão em caso de troca na chefia. Depois esse componente político, porque há vários membros do poder político investigados pela PF, e evidentemente quem vai nomear o corpo diretivo da Polícia Federal passa por esse filtro político.
A mudança de governo, por si só, traz um risco sim. Por isso que nós defendemos uma mudança constitucional, para primeiro prever mandato para o diretor-geral e segundo prever a autonomia funcional clara para que nossos delegados de coordenação não sejam mais nomeados pela Casa Civil ou pelo Ministério da Justiça, mas sim para que sejam nomeados pela própria corporação, por critérios técnicos e objetivos.
ESTADÃO: Quais coordenadores são nomeados atualmente?
CARLOS SOBRAL: Além dos delegados coordenadores e superintendentes que atuam em Brasília, nos Estados temos os superintendentes regionais, delegados regionais, corregedores regionais, chefes das delegacias descentralizadas, todos nomeados pelo Ministério da Justiça, ou seja, o espaço para um componente político na Polícia Federal é imenso.
ESTADÃO: Os delegados estão com receio?
CARLOS SOBRAL: Estamos sim, há um clima de receio por falta dessa força institucional, de não termos a autonomia garantida na Constituição. Temos receio sim, se falarmos que não é mentira, e o cenário político é de intensa instabilidade.
ESTADÃO: Quando fala de receio, há receio de um eventual governo Temer?
CARLOS SOBRAL: Não, não especificamente de um governo Temer, da pessoa, mas em um cenário de instabilidade política no qual há uma investigação policial de grande envergadura que acaba por ter como envolvidos políticos. Evidente que neste cenário causa grande apreensão.
Não fazemos essa avaliação em relação a partido A, B ou C. Nós temos um contexto de que políticos e pessoas com poder econômico sendo investigados e que esta fragilidade pode ser que haja ações pra interferir nas investigações.
ESTADÃO: O sr. vê alguma ação de Temer no sentido de interferência?
CARLOS SOBRAL: Não, nenhuma ação especificamente, mesmo porque ele ainda está em uma perspectiva de assumir o poder, não há nenhuma ação ou indicação de que esteja em movimento de interferir, isso não foi detectado.
Mas, em uma análise de risco, quando se analisa o cenário, há uma possibilidade de interferência nas investigações. Por isso batemos a mesma tecla, se tivéssemos a autonomia podia mudar governo que isso não teria a possibilidade de afetar o nosso trabalho. A causa da autonomia não é contra governo A, B, C, ela é a favor da Polícia Federal. Não é uma pauta política-partidária.
ESTADÃO: Quais relatos o sr. tem recebido dos delegados de Curitiba, base da Operação Lava Jato?
CARLOS SOBRAL: Os relatos é de que são grandes as dificuldades de estrutura para conseguir fazer as investigações, que tem um volume muito grande, e todos demonstram receio com o futuro, com a perspectiva de mudança inclusive de posições de chefia (na Superintendência do Paraná). Um receio que é compartilhado não só por eles, mas por toda a instituição.
ESTADÃO: O sr. ou outros representantes da categoria têm sido procurados por políticos ou aliados do grupo de Temer?
CARLOS SOBRAL: Não. Nós somos meros espectadores da decisão política e vamos continuar com as investigações. Nosso trabalho é técnico e evidente que vamos reagir se houver alguma interferência. Não houve procura e se houvesse procura ela não teria resposta do nosso lado.
ESTADÃO: Para os delegados, Leandro Daiello deve permanecer no cargo com a eventual mudança na Presidência?
CARLOS SOBRAL: O que nós defendemos é que o diretor-geral da PF tenha mandato. Com o prazo de mandato o risco de interferência é muito menor. Na ausência de mandato, a substituição de um diretor da PF, caso ocorra, tem que ser muito bem pensada porque causa um atraso, isso é fato.
Diante de um cenário com a Lava Jato em que não podemos ter atraso, não é recomendável uma mudança neste momento. Agora se houver um novo governo e ele decidir pela mudança, aí seremos obrigados a elaborar uma lista tríplice para apresentar ao governo, mas não é isso que queremos. Nossa posição é de que não deve haver mudança neste momento.
ESTADÃO: Já fizeram lista tríplice antes?
CARLOS SOBRAL: Fizemos uma lista tríplice no início do segundo mandato de Dilma, sugerindo nomes diferentes, mas ela decidiu pela manutenção do atual diretor-geral.
ESTADÃO: Os delegados defendem eleição direta para o cargo de diretor-geral da PF. O que isso mudaria na instituição?
CARLOS SOBRAL: Isso daria transparência ao processo, ao ter a eleição o nome de cada indicado é sabatinado, o passado é avaliado, as propostas para a instituição são questionadas. É um processo muito mais transparente e democrático. Não gostaríamos que o diretor-geral fosse indicado por meio de consultas fechadas de gabinete, entendemos que o processo tem que ser publicizado, transparente, ate para que os nomes sejam avaliados pela sociedade.
ESTADÃO: A Lava Jato está sob ameaça? Como os delegados lidam com essa expectativa?
CARLOS SOBRAL: Como nós não temos garantias, toda instituição esta sob ameaça. Temos uma dificuldade orçamentária hoje que é tremenda. Nossos investimentos são decrescentes e as dificuldades para fazer investigações são indecentes, temos que pagar diárias do próprio bolso. Além disso, temos atualmente 500 cargos vagos de delegados, e a previsão é de outros 400 se aposentando em dois ou três anos, ou seja, podemos acabar ficando com metade do efetivo no futuro.
Em relação a operação, evidentemente que, em caso de mudança (nos quadros da PF), isso colocaria um risco à continuidade da investigação. E hoje há o medo dos próprios delegados da operação de serem trocados.
ESTADÃO: Com o avanço da Lava Jato, o Congresso tem se deparado com inúmeras medidas para dificultar o combate a corrupção e já se fala em ampliar foro privilegiado. Em março, por exemplo, o presidente da Câmara determinou que uma comissão especial analisasse a revisão do Código Penal. O Congresso tenta intimidar a PF?
CARLOS SOBRAL: Não chegamos a nenhuma ação concreta nesse sentido, de uma legislação que restrinja a investigação. Atualmente estamos no sentido inverso de pressionar o Congresso para que aprove a PEC 412 (que garante a autonomia à PF). Inclusive neste ano os projetos estão quase todos parados por conta da instabilidade política.
Estamos atentos aos projetos que trazem riscos a sociedade, no momento nossa preocupação é defender a PEC da autonomia. Ainda não detectamos um avanço de algo que possa ser considerado um retrocesso nas nossas investigações, mas se houver alguma movimentação para dificultar as investigações certamente isso será levado ao público e vamos cobrar.
ESTADÃO: Em que fase encontra-se a tramitação da PEC 412?
CARLOS SOBRAL: Atualmente a PEC está na Comissão de Constituição e Justiça, ainda em fase inicial. Ela foi proposta em 2009 e ainda não avançou. Acreditamos que a CCJ deve aprovar, e a Câmara e depois o Senado para demonstrar que a autonomia da PF investigar,que foi uma conquista recente, tem que permanecer. Tem que ser transformado em conquista permanente.
ESTADÃO: A que período o sr. se refere quando fala na independência como ‘conquista recente’?
CARLOS SOBRAL: De 2002 ate 2008 a Polícia Federal cresceu muito, do final do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) até o primeiro governo Lula (PT). Depois passamos a sofrer restrições orçamentárias muito rígidas, e mesmo assim conseguimos realizar investigações.
Nosso receio agora é que o mundo político interprete que errou ao apoiar a construção de uma Polícia Federal forte e que haja um retrocesso. Como nossa força não está prevista na Constituição, o risco de haver retrocesso é concreto. Vira e mexe ouvimos que determinada autoridade política “permitiu” que se investigasse, e isso é muito ruim porque se uma outra autoridade que assumir e decidir que não quer permitir a investigação e prejudicar a Polícia Federal?
ESTADÃO: Os presidentes da Câmara e do Senado, responsáveis pelo impeachment, estão entre os investigados da Lava Jato, do mesmo jeito que Lula. O próprio Temer também foi citado em delações. Qual o recado dos delegados para a população sobre estes casos?
CARLOS SOBRAL: O nosso recado é de que independentemente do poder político, do poder econômico, da pessoa suspeita de participar de atos ilícitos, a Polícia Federal vai investigar. Se houver qualquer tentativa de intimidação e interferência nós vamos resistir e chamar a população para o lado da Polícia Federal para evitar que essa instituição sucumba por interesses políticos.
ESTADÃO: Em relação a uma eventual mudança de ministro da Justiça, os delegados têm algum preferido para o cargo?
CARLOS SOBRAL: Não, mas é evidente que o ministro que respeitar a autonomia investigativa e não interferir politicamente na Polícia Federal terá o nosso apoio. Nós não damos votos de confiança, serão gestos e ações que dirão qual a intenção de um novo ministro em relação à Polícia Federal.
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