Segurança pública precisa de investimento, não de ciclo completo, diz presidente da ADPF
Em audiência pública sobre a competência legal de investigações policiais, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva, reafirmou que o problema de segurança pública não está no modelo de investigação brasileiro, mas em múltiplos fatores, dentre eles o sucateamento das polícias judiciárias. A audiência pública ocorreu, nesta terça-feira (5), no Plenário 12, do Anexo II, da Câmara dos Deputados.
“Ciclo completo é autorizar a polícia ostensiva a fazer investigação indistintamente”, esclareceu Paiva. Para ele, não se deve retirar o direito do cidadão de ter a conduta analisada por alguém que conhece o direito. “Não se deve banalizar o conhecimento técnico-jurídico. O cidadão quando precisa de um médico não quer ser atendido por um enfermeiro. O mesmo ocorre quando precisa da polícia ou tem algum direito seu relativizado. Quer que sua situação seja analisada por um profissional que conheça profundamente o direito a ser aplicado”, disse.
O presidente da ADPF voltou a apresentar os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Universidade de São Paulo (USP) – que apontam uma média de 94% dos inquéritos de combate à corrupção solucionados, nos últimos quatro anos. Bem como, os relatórios de gestão da Polícia Federal que apresentam índices acima de 70 por cento em todos as espécies de crimes investigados pela instituição.
“Se o modelo de investigação utilizado no Brasil está falido, então por que a Polícia Federal tem esses resultados, se utiliza o mesmo modelo das polícias civis?”, questionou Paiva. Segundo ele, isso fragiliza o argumento dos defensores do ciclo completo, de que o problema da segurança pública está no modelo de investigação. “O problema é multifatorial. É óbvio que há problemas a serem resolvidos. Mas definitivamente nada tem a ver com o modelo”, explicou o presidente da ADPF.
Entre as soluções apontadas pela ADPF para melhorar a segurança pública, estão: a aplicação de recursos em tecnologia; priorização na investigação; modernização dos procedimentos como oitivas gravadas e implantação do inquérito eletrônico (em fase de implementação em todos os estados); fortalecimento das corregedorias de todas as polícias; remuneração digna dos policiais; e cooperação e integração das polícias, sem invadir a atribuição uma da outra, para evitar competições entre órgãos. “Quem compete não coopera”, diz Paiva.
“Nós podemos ver, no modelo de investigação brasileiro, pontos de melhoria, mas não uma mudança radical para modelos que vão ser exportados de outros países e que vão ser recortados e colocados aqui, sem que tenhamos o mesmo contexto, cultura e costumes. É essa provocação que fazemos para contribuir com o debate nesta Casa”, ressaltou Edvandir Paiva.
Sobre a proposta de carreira única para delegado de polícia, defendida por várias entidades de classe, o representante dos delegados de Polícia Federal também fez duras críticas. “Um cargo da importância do delegado, se for transformado em cargo comissionado, será feito sob quais critérios? Internos? Políticos? Se hoje o concurso público é a maneira universal e transparente de alguém alcançar um cargo público, vamos retroceder?”, questionou.
O deputado Marcelo Freitas (PSL/MG) elencou alguns pontos a serem observados pelos integrantes da comissão especial que propôs a audiência pública. Um deles é a ausência do conhecimento técnico-jurídico para se diferenciar um crime do outro.
Com mais de 20 anos de experiência como delegado de Polícia Federal, ele relatou casos de ocorrências que chegam às delegacias com definições equivocadas sobre o fato a ser investigado. “Uma análise técnico-jurídica mínima é imprescindível que seja feita, ainda que nos casos de crimes de menor potencial ofensivo”, defendeu o parlamentar.
Freitas também considera que, se a discussão sobre os aspectos da segurança pública não envolver a atuação do Ministério Público e do Judiciário, os dados que se apresentarem serão falhos, porque não estará se observando todos os pontos da persecução criminal.
“A investigação criminal gera paixões e, por gerar paixões, nos conduz a equívocos podendo imputar a alguém determinado fato delituoso que, posteriormente, pode se comprovar a inocência. Essa dupla ou tríade de controle que existe na investigação criminal como um todo, ainda que, de menor potencial ofensivo, é essencial para que injustiças não sejam feitas”, argumentou.
Um dos questionamentos que o deputado fez foi em relação à média de 175 homicídios por dia registrada nos últimos dois anos. “A pergunta que fica é: quem falhou na prevenção para se morrerem 65.602 pessoas em um ano?”, indagou, referindo-se a 2017.
“Por isso precisa-se ter um cuidado muito grande para não atribuir, como temos feito, as deficiências especialmente no aspecto da persecução penal, em virtude da absoluta ausência de estrutura que paira sobre a polícia judiciária”, ponderou Marcelo Freitas.
Ao final da audiência pública, foram aprovados vários requerimentos de deputados que solicitaram a participação de outros agentes públicos no debate. Um deles foi o Requerimento nº 8/2019, de autoria do deputado Delegado Pablo (PSL-AM), no qual pede a inclusão do nome de Raphael Baggio de Luca, delegado de Polícia Federal responsável pela Unidade de Gestão Estratégica da Corregedoria-Geral da PF, como convidado para falar sobre o tema “Falácia do Ciclo Completo de Polícia e da carreira única nas instituições policiais”. A próxima audiência ficou marcada para 12 de novembro.
Além de parlamentares, também participaram do debate o chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Segurança Pública, coronel Renato Ivo Fernandes de Castro; o diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), Marcelo Azevedo; e o secretário-executivo do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais de Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal, coronel Marcello Martinez Hipólito.