Um fabuloso mundo para a CPI das ONGs

31 de outubro de 2007 11:06

R$ 13 bilhões. Esse é o valor total de repasses feitos pelo governo federal para 9.258 entidades do chamado terceiro setor entre 1999 e 2006. A soma, mais precisamente R$ 13.133.752.733,97, se refere às transferências de recursos registradas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). O montante é praticamente 30% superior aos R$ 10,36 bilhões que o governo pretende aplicar em 2008 em seu principal programa social, o Bolsa Família, que atende a 11,1 milhões de famílias.

Os dados, que dizem respeito a organizações não-governamentais, entidades filantrópicas e assistenciais e diversas associações, servirão como base para as investigações da CPI das ONGs. Ao todo, 828 instituições receberam mais de R$ 2 milhões nesse mesmo período. Os valores são nominais, ou seja, não foram atualizados pela inflação.

A lista, publicada com exclusividade pelo Congresso em Foco, não aponta nenhuma irregularidade. Revela, porém, que houve uma concentração na distribuição dos recursos. As 20 entidades beneficiadas com a maior fatia do bolo receberam juntas R$ 3,97 bilhões, ou seja, 30% do total.

O primeiro lugar em volume de repasses é o Instituto Butantã (R$ 561 milhões), seguido pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (R$ 502 milhões). A ONG Alfabetização Solidária (Alfasol), fundada pela mulher do ex-presidente Fernando Henrique, Ruth Cardoso, aparece na terceira colocação, com R$ 336 milhões (leia mais).

A CPI, segundo apurou o Congresso em Foco, ainda deve investigar convênios celebrados com as ONGs antes de 1999 mas que ainda estavam em vigência naquele ano, utilizado como referência no plano de trabalho dos senadores. Com essa medida, o número de convênios sob análise na comissão deverá subir de 38 mil para 42 mil.

Terceiro setor

Esses dados não incluem os repasses das estatais para ONGs e outras entidades do terceiro setor  nome dado ao conjunto de pessoas jurídicas privadas de fins públicos e sem finalidade lucrativa. O termo passou a ser usado em contraposição ao primeiro setor (governo) e ao segundo setor (privado) e abrange desde universidades e outras instituições filantrópicas, passando por centrais sindicais, até associações de orçamento modesto.

A CPI ainda não decidiu se vai investigar esse tipo de repasse, mas técnicos da comissão defendem uma devassa nessas transferências justamente porque elas estão fora do controle do Siafi e longe das fiscalizações rotineiras feitas pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Mas podem ser excluídas dessa lista e das investigações da CPI as entidades do chamado Sistema S, como Sesc, Senai e Sesi, além de representações de categorias profissionais e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes).

O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, sugeriu ontem (30) aos senadores da CPI que essas entidades sejam retiradas do foco da investigação. Para Jorge Hage, embora sejam do chamado terceiro setor, elas não são propriamente ONGs nem oscips (organizações da sociedade civil de interesse público)  entidades sobre as quais a comissão pretende fazer uma devassa.

Nas contas do órgão de fiscalização, essas entidades receberam R$ 23,18 bilhões entre 1999 e 2006  sem considerar a inflação no período.

Corte a definir

O plano de trabalho aprovado pela CPI das ONGs não estabeleceu nenhum corte ou restrição sobre a investigação por valores de repasses. Mas a avaliação mais rigorosa deve ser feita de acordo com o volume de repasses, segundo o relator da CPI, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).

“É preciso fazer um corte, mas ainda não definimos o critério. Deve caminhar para esse corte por valor, mas antes vamos fazer um levantamento sobre todas as que receberam recursos do governo nesse período. Se a ONG recebeu R$ 1,00, mas teve alguma denúncias, vamos investigar”, disse o relator ao Congresso em Foco.

A comissão também pediu ao Ministério do Planejamento informações de convênios fechados por todos os ministérios com as ONGs e que foram pagos a partir de emendas parlamentares (individuais e de bancada). Os cruzamentos dessas informações podem mostrar distorções como o envio de recursos para organizações não-governamentais ou entidades filantrópicas comandadas por senadores ou deputados. Atualmente, é proibido o repasse, por meio de emenda, apenas para o cônjuge (esposa ou esposo) dos congressistas.

Descumprimento da LDO

Ontem (30), o relator da CPI e o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) perguntaram ao ministro da CGU, Jorge Hage, por que o governo federal descumpre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), como revelou este site, na hora de repassar dinheiro público às ONGs.

Segundo um parecer da Câmara dos Deputados, a Esplanada dos Ministérios liberou R$ 330 milhões irregularmente entre 2003 e 2006. As ilegalidades se referem a dinheiro usado para custear investimentos nas entidades e a repasses para instituições com menos de três anos de fundação.

“Aquelas restrições [da LDO”> têm um sentido, para melhor organizar. O Estado descumpre deliberadamente a LDO?”, interrogou Arruda.

Alvaro Dias não se satisfez com a explicação de Hage sobre a situação. Na avaliação dele, ainda há muitas dúvidas no ar. Isso é o hábito. É a impunidade. As facilidades existentes é que levam às irregularidades. Sem isso, bilhões de reais são desviados, comentou.

O Congresso em Foco noticiou duas situações em que a LDO foi descumprida pelo governo federal. Sob o comando do atual ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, o Ministério do Turismo liberou R$ 24 milhões irregularmente entre 2003 e 2006  caso analisado pelo Tribunal de Contas da União. Da mesma forma, o Ministério do Trabalho liberou R$ 17 milhões no mesmo período.

Requerimentos

Hoje (31), a CPI vota requerimentos a partir das 9h. Ontem, foram aprovados pedidos de informação aos ministérios, à Receita Federal, Tribunal de Contas da União, Procuradoria geral da República, Banco Central, Câmara dos Deputados, Polícia Federal  todos de autoria do relator.

Ficou de fora apenas um pedido de informações à Receita sobre dados de pessoas físicas e jurídicas. Na prática, era uma quebra de sigilo genérica, o que só poderia ser feito de forma específica, indicando nome e período em que os dados deveriam ser revelados.

Das 276 mil ONGs existentes no país, apenas 4 mil são cadastradas como oscips ou entidades de utilidade pública no Ministério da Justiça (MJ), segundo os dados da CGU. Criadas por meio da Lei 9.790/99, conhecida como Lei do Terceiro Setor, as oscips são entidades que conseguiram o reconhecimento oficial após cumprirem uma série de requisitos de transparência administrativa exigidos pelo MJ.

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