Um recorde de obras irregulares

21 de setembro de 2007 11:10

Acusada de comandar o esquema de desvio de recursos de obras públicas que resultou na Operação Navalha, deflagrada pela Polícia Federal, a empreiteira Gautama ganhou status oficial de principal fraudadora do governo. A empresa de Zuleido Veras – preso pela PF e depois solto pela Justiça – é a líder em obras irregulares erguidas com recursos da União. Ou seja, o buraco do ralo descoberto pela PF foi explorado pelo tribunal e se revelou mais fundo do que se esperava. Oito de 10 grandes obras da Gautama foram embargadas, num pacote que envolve repasses de mais de R$ 329 milhões.

A Gautama foi considerada inidônea pelo TCU depois das denúncias da PF. O relatório anual do tribunal apresentado ontem põe o PAC em risco, conforme adiantou o Jornal do Brasil nesta semana. O programa que recebe o maior bolo de investimentos do governo a partir desse ano, principalmente para obras de infra-estrutura e saneamento, é o principal alvo de auditorias do tribunal.

No detalhamento dos Indícios de Irregularidades Graves (IGP) figuram também outras 18 pequenas e grandes empreiteiras, como a OAS, Egesa e a Andrade Gutierrez. O Paraná lidera o ranking de Estados que terão repasses suspensos. Dez no total. É seguido por Espírito Santo, Minas, Piauí, Rio Grande do Norte e Rondônia, com cinco obras cada.

Dentre as obras da Gautama, cinco são de convênios fechados com o Ministério da Integração, duas com os Transportes e uma com o Turismo, que envolve nada menos que R$ 263,2 milhões para um projeto de infra-estrutura turística na capital Porto Velho, em Rondônia, no extremo Norte do país. A empreiteira recebeu parte do dinheiro para construção de avenida, mercado, terminal hidroviário, pier, restaurante, entre outras obras. O TCU constatou superfaturamento e “projeto deficiente com risco ao erário público”. Está tudo parado.

A empreiteira ainda recebeu R$ 19 milhões para obras do PAC em projeto de irrigação da Adutora do São Francisco, em Sergipe, onde foram encontradas falhas contratuais. E outros R$ 41 milhões para reforma da BR-319, na divisa do Amazonas com Rondônia, onde constatou-se contrato sem licitação e superfaturamento.

Das irregularidades graves, o tribunal vai recomendar à União o bloqueio imediato de repasses para os empreendimentos, um embargo que pode estancar a perda de R$ 1 bilhão. É a previsão do relator do processo, ministro Benjamin Zymler. A maior empresa brasileira, a Petrobras, também não escapou da lupa do tribunal, que encontrou irregularidades graves em quatro obras de plataformas. Em nota, a estatal criticou o fato de o TCU não apontar as irregularidades, e informou que tem prestado esclarecimentos convincentes aos ministros sobre os casos relatados.

Apesar dos dados alarmantes, o relatório traz uma informação que dá fôlego para a União. Desde o início do ano, 52 obras obedeceram às cláusulas contratuais e terão a garantia de recursos emitidos. Número pequeno, mas significante para que o governo adote o discurso de que há caminho viável para locomotiva do PAC entrar em ação.

O Ministério do Turismo informou que tem contrato de repasse firmado em 2002 com o município de Porto Velho no valor de apenas R$ 3 milhões e que o apoio do órgão é para uma etapa do projeto. Ainda de acordo com o ministério, o responsável pela obra em andamento desta etapa é a empresa APN Construção Civil Ltda.

Rodovias, os corredores da corrupção

Brasília. O Tribunal de Contas da União (TCU) dá prazo até dezembro para que as empresas regularizem a situação. Caso contrário, ficarão impedidas de receber verbas do Orçamento ano que vem. O relatório foi encaminhado ontem mesmo para os deputados e senadores.

O foco dos problemas relatados pelo TCU no gargalo da corrupção, como o JB adiantou nesta semana, são as obras do Ministério dos Transportes, principalmente as de responsabilidade do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes, o Dnit. As que envolvem recapeamento de rodovias.

Não por menos, é o Dnit que lidera a lista de órgãos do governo onde foram constatados os casos mais graves. Do total de 77 obras com irregularidades graves envolvendo contratos com vários ministérios, 55 são tocadas pelo Dnit. São, na maioria, sérias falhas nos processos de licitação – quando há – e superfaturamento.

De 115 obras do Dnit auditadas, 38 apresentaram irregularidades passíveis de bloqueio de recursos. O Ministério da Integração Nacional vem em segundo lugar, com 10 das 14 obras irregulares. O relatório não traz, no entanto, os valores empenhados em cada caso.

Há situações gritantes, no entanto.. No Acre, os preços para todas as seis licitações para as obras na rodovia federal BR-364 apresentaram superfaturamento. O mesmo aconteceu para as obras da rodovia BR-163, na divisa entre Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Muitas delas envolvem “descumprimento de exigências relativas ao meio ambiente”. São os casos da construção de contorno ferroviário em São Felix (BA) e da construção de infra-estrutura de irrigação do projeto Tabuleiro de Russas, no Ceará. Ambas, obras do PAC.

O Dnit informou que “está concluindo os esclarecimentos para o Tribunal referentes aos indícios de irregularidade citados”. E que deverá ocorrer “o saneamento dos problemas detectados, liberando os empreendimentos do eventual bloqueio de verbas” para ano que vem. (L.M.)

Zuleido tenta liberar recursos

Brasília. Sob o sol da capital federal, longe da cela que ocupou durante alguns dias na Superintendência da Polícia Federal, Zuleido Veras, o dono da construtora Gautama, continua a percorrer a cidade sem ser incomodado. É o passageiro de um veículo Santana azul marinho, dirigido por um motorista particular, e bate ponto num escritório do sexto andar de um edifício na Asa Sul. Curiosamente, o mesmo prédio que abriga a Corregedoria do Governo do Distrito Federal.

É a rotina do empresário na capital. A amigos e interlocutores, Zuleido se diz um empreiteiro como os outros e apenas um peixinho num mar de gigantes, quando o assunto é contrato com a União. Fica em Brasília quando não está na mansão da família, em Salvador. Ele e todos os diretores da empresa, detidos pela PF na Operação Navalha, foram libertados por habeas corpus concedidos pelo Tribunal Superior de Justiça por serem réus primários.

No escritório em Brasília, os funcionários não recebem os salários desde que a denúncia estourou na mídia e os diretores foram presos. Mesmo diante da repercussão negativa na imprensa com a denúncia e com o novo relatório do Tribunal de Contas da União indicando a empreiteira como líder entre as construtoras inidôneas, Zuleido tem recorrido da sentença no próprio órgão, a fim de tirar a construtora da lista negra e voltar a receber recursos do governo para as obras inacabadas. Não convenceu os ministros ainda.

A Gautama informou pela assessoria que, das três obras citadas na reportagem, uma, a de infra-estrutura turística de Porto Velho, pertence à empresa LJA. A Gautama informou ainda que, “em seus 12 anos de existência, todas as obras da empresa passaram por rigorosas fiscalização dos órgãos competentes, e, em todos os casos, cumpriu os requesitos solicitados pelos contratantes”. (L.M.)