ZERO HORA: Colarinho-branco já não é prioridade para a Polícia Federal
O jornal Zero Hora denunciou hoje que a Polícia Federal mudou seu foco e a corrupção deixou de ser prioridade. De acordo com a reportagem, ao contrário de tempos recentes, quando o combate feito pelos federais aos crimes de colarinho-branco ganhava as manchetes, a maior parte das ações da PF (inclusive no Rio Grande do Sul) prioriza ações voltadas para a repressão ao tráfico e ao contrabando.
ZH fez um levantamento das 151 operações realizadas pela PF no Estado desde 2008 – uma média de 30 por ano. Apenas 10% delas visaram crimes do colarinho-branco e corrupção. O grande destaque foi para reprimir os chamados crimes de fronteira. Mais da metade das operações (79) envolveu tráfico (de drogas, armas ou pessoas) ou contrabando.
Em 2007, o então ministro da Justiça Tarso Genro fez um balanço e mostrou que 20% de todas as 188 operações nacionais da PF naquele ano tinham se voltado contra a corrupção. Ou seja, de um ano para outro a polícia mudou de rumo.
Dois experientes procuradores federais ouvidos por ZH, Douglas Fischer e Alexandre Schneider, dizem ser “inequívoco” que as ações contra corrupção representam um percentual muito baixo das operações da PF. Mas ressaltam que a razão pode ser cultural. Schneider, que integra o Grupo de Controle Externo da PF (com missão de analisar a performance dos inquéritos), considera que um dos motivos para a corrupção deixar de ser prioridade é que investigar colarinho-branco vai muito além de prender, como é com o tráfico.
— Tem de ouvir, rastrear dinheiro, checar bens, às vezes por anos. Dá trabalho. E existe toda uma cultura policial voltada para outros crimes mais visíveis, como o contrabando — analisa Schneider, um dos procuradores que atuaram na maior ação federal envolvendo corrupção em órgão público no Estado, a Operação Rodin, de 2007, que apurou fraude no Detran.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, defende que o combate à corrupção e ao desvio de recursos públicos ganhe espaço cada vez maior dentro da Polícia Federal, pelo o que esses crimes representam de potencial ofensivo ao erário público. Ribeiro lembra que recentemente foram criadas unidades específicas na corporação para investigar o desvio de recursos públicos. Entretanto, o dirigente avalia que essas medidas ainda são insuficientes e aquém do desejado.
O juiz da 1ª Vara Criminal Federal de Porto Alegre, José Paulo Baltazar Junior, acredita que houve mesmo uma diminuição no ritmo dos casos de colarinho-branco. Mas ressalta que o trabalho contra doleiros continua firme.
Presidente da Associação dos Delegados da PF no Estado, Sérgio Busato está convicto de que a instituição deu uma guinada tática, e a repressão na região fronteiriça virou prioridade. Inclusive em verbas. O orçamento do Ministério da Justiça, ressalta ele, sofreu cortes. Antes de R$ 2 bilhões anuais e mais R$ 1,2 bilhão para o Pronasci, agora o total é de R$ 2 bilhões.
O corte nas verbas se reflete na rotina dos agentes. O governo determinou que todas as diárias sejam submetidas à autorização prévia. Cada vez que o limite é extrapolado, a PF é duramente cobrada.
A Associação dos Delegados da PF chegou a publicar nota insinuando que estaria ocorrendo uma “desidratação (da instituição) voltada a evitar eventual desconforto ao governo, notadamente nas operações de combate à corrupção”. Busato usa palavras mais amenas.
— A PF ganhou respeitabilidade não por priorizar o contrabando, mas por ter atingido a camada política antes imune às investigações. Será que a atual opção agrada à população? — pondera Busato.
Cortes no orçamento
O torniquete no orçamento da Polícia Federal tem gerado um clima de apatia entre os policiais. Afinal, os cortes atingem diárias, deslocamento de agentes e formação de forças-tarefas para grandes investigações.
O resultado é que, no ano passado, apenas três ações em 30 realizadas no Rio Grande do Sul envolveram crimes como lavagem, subfaturamento de exportações e outras formas de delito praticado por engravatados. Para delegados, o problema não é só redução de recursos, mas a decisão sobre o que deve ser investigado.
Mas não é só com relação a recursos que a Polícia Federal se debate. Há queixa constante de que a chefia não se manifesta com relação aos problemas da corporação.
O diretor-geral da Polícia Federal, o delegado gaúcho Leandro Daiello Coimbra – que evita falar publicamente sobre a crise, sobre a greve e a apatia da polícia –, tem sofrido duras críticas e já teve a demissão defendida por subordinados junto ao Ministério da Justiça.
Desde a Operação Voucher, desencadeada há um ano e na qual a PF prendeu a cúpula do Ministério do Turismo, Daiello também ficou fragilizado junto ao governo federal. A ação foi criticada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que condenou o uso de algemas na prisão de suspeitos.
Daiello foi procurado várias vezes por Zero Hora, mas não deu retorno aos pedidos de entrevista feitos pela reportagem.
Zero Hora, com adaptações