Artigo: Valorização dos policiais federais: por que precisamos?
*Luciano Leiro
A reestruturação das carreiras policiais ligadas ao Ministério da Justiça, incluída no orçamento para 2022, vem ocupando espaço central nas discussões em redes sociais e debates na imprensa. É compreensível que se queira discutir alterações orçamentárias tendo em vista a atual situação do país, contudo, não podemos deixar que uma visão simplista da gestão dos gastos públicos seja divulgada sem as devidas considerações.
Primeiramente, essa discussão só foi possível depois de uma luta contínua travada por servidores federais da segurança pública e suas respectivas entidades de classe. A dedicação em torno do tema, do Ministro da Justiça, do Diretor-Geral e de parlamentares, inclusive do relator, só existiu porque a medida é importante e urgente.
O próprio Presidente da República reconheceu publicamente que é fundamental corrigir as injustiças históricas que assolam a segurança pública, deixando claro o quanto é necessária e pertinente a valorização das carreiras policiais da União.
Nos últimos anos, categorias ligadas à segurança pública são as que mais amargaram derrotas, como por exemplo durante a reforma da previdência, onde havia um compromisso do governo federal de promover uma reestruturação em conjunto com as forças armadas, em razão das peculiaridades da profissão. Isso não ocorreu e inúmeros direitos foram perdidos.
Hoje, um policial que morre no exercício da sua função, na maioria dos casos, deixa a família desamparada, com direito a uma pensão de apenas 60% do subsídio.
Vale ressaltar também, que na PEC emergencial, novamente compromissos publicamente assumidos não foram cumpridos, gerando novas perdas para a categoria. Já a Lei Complementar 173/2020 impediu qualquer tipo de gasto para valorização das carreiras ao longo de 2021, com possibilidade do acionamento de gatilho fiscal nos anos seguintes.
Isso sem falar das condições de trabalho da Polícia Federal, que atua de norte a sul do país. Por conta da falta de efetivo, o servidor da PF, muitas vezes, é obrigado a atuar em regime de sobreaviso mensal sem qualquer remuneração extra ou compensação de horário. Os delegados de polícia, por sua vez, têm que decidir, em pouco tempo, sobre questões cruciais ao cidadão, como a privação de sua liberdade, correndo, ainda, o risco de responder por abuso de autoridade em razão da interpretação no caso concreto. E o principal, todos os policiais federais iniciam suas atividades funcionais em regiões de fronteira consideradas extremamente perigosas.
O Policial Federal trabalha em regime de dedicação exclusiva, sem privilégios, benefícios extras, auxílio moradia ou qualquer outro “penduricalho”. Ele não recebe supersalários, tão somente o subsídio; não tendo qualquer tipo de aumento ou bônus por produtividade; sem direito a hora extra ou honorários e, muitas vezes, acabam pagando para trabalhar, já que é comum deslocamentos em missões sem diária suficiente para cobrir os custos de hospedagem, alimentação e transporte.
Além das condições de trabalho, ainda temos que conviver com um imenso déficit de policiais em nossos quadros. Hoje temos menos de 12 mil policiais federais para um país de dimensões continentais. Esta situação faz com que cada um dos servidores trabalhe sobrecarregado, refletindo diretamente no desempenho das atividades, com enorme desgaste físico e mental. Não é à toa que temos altos índices de suicídio e de licença para tratamento por distúrbios psiquiátricos – um dos maiores entre todos os órgãos federais. Nesse sentido, foi dado um importante passo pelo Governo Federal com a edição de medida provisória que prevê o uso dos recursos de um fundo da própria PF para investir na saúde do servidor, pois, não temos estrutura para tratamento psicológico e sequer dispomos de um plano de saúde que atenda aos policiais.
No que se refere a índices inflacionários, há uma grande falácia a respeito das estatísticas. No caso dos policiais federais, levando em consideração os índices de mercado e os reajustes recebidos desde 2006, quando os servidores da PF passaram a receber por subsídio, a defasagem observada pelos policiais é de até 45% (Índice Nacional de Preços ao Consumidor- IPCA) e de até 133% (Índice Geral de Preços do Mercado – IGPM). Mas, como dito, a necessidade de valorização dos policiais federais vai muito além da questão financeira.
Apesar de todas essas dificuldades, os policiais federais não pararam de trabalhar e durante todo o período de isolamento, os policiais estiveram nas ruas, seja para garantir a distribuição das vacinas ou evitando que bilhões em recursos públicos, previstos para a compra de remédios e equipamentos para tratamento da Covid, fossem desviados pela corrupção. Basta dizer que, em 2020, auge da pandemia, o número de operações da Polícia Federal bateu recorde, exatamente por conta dos desvios ligados à covid. Foram 129 operações e mais de 1800 mandados de busca e apreensão cumpridos em todo o Brasil, em contratos que somavam mais de R$ 4.6 bilhões ligados ao combate à Covid-19.
Diante desse cenário de esforço conjunto, inúmeros policiais federais acabaram contraindo a Covid-19 em razão do serviço, muitos deles durante deflagrações de operações policiais. Alguns servidores da PF, infelizmente, perderam a vida vitimados pelo coronavírus.
Finalmente, é preciso pontuar que a Polícia Federal entrega o trabalho pelo valor investido e muito mais. Um estudo feito pela Superintendência da Polícia Federal no Ceará mostrou que a cada real gasto com a PF, tem-se o retorno de R$ 3,62. A cada ano os Policiais Federais retornam à sociedade mais de 11 bilhões de reais, somente no combate à corrupção. Por isso, não há de se falar em gasto com a PF, mas sim em investimento, com retorno garantido. Há muito tempo, falamos que a polícia federal se paga. Isso é fato!
A cada operação, a cada batida na porta de investigados às 6h da manhã, estamos trazendo mais recursos para uma vacina, para o saneamento básico, água potável, para construção de escolas, creches ou para a abertura de novos hospitais. Por isso, o papel da PF é muito maior e mais relevante do que considerarmos apenas a importância financeira.
A Polícia Federal jamais renunciará a sua missão e continuará sempre presente para atuar em situações de crise extrema. Justamente por isso, somos umas das instituições mais aprovadas e respeitadas pela sociedade. Mas, exigimos, sim, que sejamos valorizados e que o compromisso firmado com os policiais federais possa ser cumprido plenamente.
É em homenagem aos valorosos policiais que já deram sua vida e pelos tantos outros que defendem ou já defenderam o país da corrupção, da lavagem de dinheiro, do desvio de verbas públicas e do crime organizado que digo: vamos continuar lutando. Jamais podemos nos esquecer, que um policial federal faz um juramento, assim como outras forças policiais, de cumprir com seus deveres com o sacrifício da própria vida, se necessário for. É o nosso bem mais sagrado. Por isso, a Polícia Federal e seus servidores merecem todo apoio, respeito e valorização.
*Luciano Leiro é delegado de Polícia Federal e presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
Publicado originalmente no Estadão