Sérgio Lima/ADPF

Correio Braziliense | Lava-Jato consolidou sentimento de repulsa à corrupção, diz delegado da ADPF

21 de março de 2024 12:28

Confira a entrevista do presidente da ADPF, Luciano Leiro, para o Correio Braziliense:

A Operação Lava-Jato deixou um legado importante: “consolidou na sociedade um sentimento de repulsa à corrupção, aos desvios de recursos públicos, influenciando profundamente a percepção dos brasileiros sobre a importância da transparência e da integridade nas esferas governamentais”.

A avaliação é do presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Luciano Leiro. Para o delegado, apesar do revés da operação, que completou 10 anos e chegou ao fim, a repercussão do trabalho mudou a forma de se fazer política no país.

Ele ressalta que não há denúncias contra policiais federais que participaram da investigação e lamenta que esses profissionais estejam distantes de cargos de destaque na PF: “É preciso acabar com essa cultura de não valorizar colegas que atuaram nesta ou naquela operação ou trabalharam neste ou naquele governo. Temos um corpo de servidores altamente técnico, ético e comprometido com o trabalho e o bem da sociedade”.

Com todo o revés ocorrido com a Operação Lava-Jato, o senhor acha que ficou algum legado?

Certamente ficou um grande e positivo legado, mas é preciso deixar claro que, quando falamos da Lava-Jato, nos referimos a dezenas de fases, vários inquéritos policiais, em diferentes estados da federação, com grupos de investigação tanto em primeira instância quanto nas instâncias superiores, contra centenas de pessoas envolvidas em desvios de recursos públicos. Temos que observar a Lava-Jato como um todo, sem personificar. Inclusive, a operação teve uma participação ativa de outros órgãos como TCU, AGU e CGU, além de grande utilização de colaboração internacional. Nesse sentido, consolidou, na sociedade, um sentimento de repulsa à corrupção, aos desvios de recursos públicos, influenciando profundamente a percepção dos brasileiros sobre a importância da transparência e da integridade nas esferas governamentais. Mudou, inclusive, a própria forma de fazer política no país. É claro que há muito tempo a PF já atuava no combate à corrupção, mas não se pode deixar de registrar o alcance que a Lava-Jato teve em toda uma geração, com grande repercussão no exterior. Além disso, o revés, muitas vezes citado, ocorreu em algumas situações e por questões interpretativas especificamente processuais. Inúmeras condenações e restituições ao erário subsistem até hoje. O próprio STF publicou em sete de março um relatório sobre a Lava-Jato, destacando que a operação resultou na recuperação de R$ 2 bilhões.

As reviravoltas demonstram que houve erros?

Toda operação da PF teve seu papel na história e deixou um legado. Temos que aprender com os erros e fortalecer os acertos. A Lava-Jato não foi diferente. Os possíveis erros não podem tirar o mérito dos grandes acertos que ela teve. E, como citado, a maioria das ações que foram alteradas por decisões judiciais ocorreram por aspectos processuais, e não pela atuação dos delegados ou pela qualidade da investigação. Aliás, que eu saiba, não há qualquer denúncia ou apuração nas esferas judiciais contra delegados que participaram da Lava-Jato.

Mas por que, então, os delegados que participaram da Lava-Jato não ocupam cargos de destaque nesta gestão?

Veja, funções comissionadas são de confiança e de livre nomeação e exoneração. Nosso concurso é para o cargo de delegado de PF e isso ninguém pode tirar, salvo o devido processo legal. Assim como em outras operações, os delegados que participaram da Lava-Jato atuaram com consciência jurídica, com técnica e imparcialidade. Essa atuação teve o acompanhamento do Ministério Público e o constante controle do Judiciário, em várias instâncias. É imperativo o respeito às decisões judiciais, concordemos ou não. Mas elas não maculam o trabalho feito, especialmente, como dito, quando essas reviravoltas se basearam em questões interpretativas processuais. Mas de fato é preciso acabar com essa cultura de não valorizar colegas que atuaram nesta ou naquela operação ou trabalharam neste ou naquele governo. Temos um corpo de servidores altamente técnico, ético e comprometido com o trabalho e o bem da sociedade. A PF é de todos nós, não importa a ideologia de cada um, a nossa atuação é técnica. Não podemos estigmatizar um colega por uma atuação circunstancial. A administração e a própria sociedade perdem quando se escanteiam quadros experientes, pessoas de competência e qualidade técnicas já testadas e comprovadas, que são colocadas de lado porque foram responsáveis por operações que desagradaram a “A” ou a “B” ou porque fizeram parte de determinada gestão. Neste sentido, há décadas a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal reitera a importância de o Congresso aprovar a autonomia para a PF.

Acha que a decisão de Sergio Moro e de Deltan Dallagnol de entrar na política com um discurso de oposição ao presidente Lula, um dos principais alvos da Lava-Jato, contaminou a credibilidade da operação?

Todo cidadão tem direito de concorrer a cargo eletivo se cumprir todos os requisitos estabelecidos em lei. O grande ponto, no caso específico da Lava-Jato, talvez seja a personificação de uma operação. Ela não pode nunca ter protagonistas. A instituição pode até aparecer pelo seu trabalho, mas nunca os personagens envolvidos na persecução penal. Neste caso, a grande questão é que não basta ser, é preciso parecer também. Eu não acredito que nada referente à Lava-Jato tenha sido feito com viés ou interesse político. Acredito, sim, que com a exposição que alguns atores tiveram no caso, estes tenham decido por enveredar por outros caminhos, o que também não deixa de ser legítimo. Entretanto, a decisão de concorrer a um cargo político não deveria nunca ter influenciado essa credibilidade. No caso da PF, por outro lado, ninguém se candidatou ou teve cargos elevados na administração ou em outros órgãos. Mas quero deixar claro que não sou contra a candidatura daqueles que têm interesse e cumprem os requisitos legais, isso inclui obviamente também os policiais. Certamente, se não tivéssemos uma bancada ligada à área da segurança no Congresso teríamos tido inúmeros retrocessos para a segurança pública e uma menor valorização das carreiras policiais.

O momento agora é de investigação sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. A PF tem atuado com independência?

Confio no trabalho da PF. Agora, é certo que o que ocorreu em 8 de janeiro foi um atentado violento ao Estado Democrático de Direito e isso tem que ser apurado com rigor. A PF se desdobrou e atuou na maior operação policial já realizada. Já houve denúncia pela PGR e a condenação pelo plenário do STF de inúmeras pessoas. As instituições trabalharam fortemente dentro da atribuição e o papel de cada uma. A PF investigando, o Ministério Público acompanhando as investigações e denunciando, e o Judiciário analisando e julgando o caso. Fatos como os ocorridos em 8 de janeiro não podem acontecer novamente no país, temos sempre que respeitar, valorizar e proteger a democracia.

Qual a sua avaliação sobre o trabalho que o atual diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, tem desempenhado?

Conheço Dr. Andrei desde que tomei posse em Manaus (AM), em uma grande e importante operação (Águia) em que ele era coordenador operacional e presidente do inquérito. Não há dúvidas de que se trata de um profissional que possui grande experiência na atividade policial, tanto na seara operacional quanto na área de gestão.

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