O advogado José Carlos Dias, 68, ministro da Justiça durante o governo FHC, critica a possibilidade de a Polícia Federal receber a recompensa de US$ 5 milhões (cerca de R$ 9,5 milhões) do DEA (Drug Enforcement Administration, a agência americana contra drogas) por ter prendido o traficante Juan Carlos Ramírez Abadía.
"Acho que é aético e imoral", disse ele, que é especialista em direito penal. Leia a entrevista:
FOLHA - O que o senhor acha da possibilidade de a PF receber a recompensa por ter prendido Abadía?
JOSÉ CARLOS DIAS - Eu digo o seguinte: é absolutamente... É de uma legalidade duvidosa. Eu acho que é aético e imoral.
FOLHA - Por quê?
DIAS - Porque a Polícia Federal existe como instituição para combater o crime. Ela não tem que receber prêmio de um país estrangeiro porque ela cumpre o dever dela. Eu acho que isso fica muito mal para o Brasil e fica muito mal para a Polícia Federal. Ainda que [o prêmio] não seja individualmente para alguém, ainda que se dissesse, "bom, isso vai para um determinado fim, para uma instituição", alguma coisa assim, mas não importa. Eu tenho a impressão de que a Polícia Federal não pode. Não pode receber prêmio pelo cumprimento do dever.
FOLHA - Existe alguma lei que proíba o recebimento?
DIAS - Eu desconheço se tem alguma coisa proibindo, mas, sob o ponto de vista ético, eu acho que é absolutamente reprovável.
FOLHA - Por qual motivo?
DIAS - É o dever dela [prender o traficante]. Pagar para a polícia porque cumpre o dever é desestimular o cumprimento gratuito do dever. Então, se eles têm dois deveres para cumprir, vão optar por aquele dever que tem uma recompensa.
FOLHA - E se, em vez de a recompensa ser para a Polícia Federal, fosse para um funcionário dela?
DIAS - Isso aí então... Aí nem se fala. É muito pior. Muito pior.
FOLHA - O que deve ser feito?
DIAS - Acho que o governo brasileiro deve dizer: "Não, a PF cumpriu o dever dela".